Origem: Livro: As Epístolas de JOÃO e JUDAS
O Exame de Várias Alegações de Andar na Luz
Tendo declarado que Deus “é luz” e “está na luz”, isso imediatamente se torna um teste para a profissão de um homem. João aborda seis alegações comuns que uma pessoa pode professar, indicadas pelas palavras: “Se dissermos … ” (cap. 1:6, 8, 10) e “Aquele que diz … ” (cap. 2:4, 6, 9). Nesta passagem, João dá provas e contraprovas pelas quais todas as alegações de conhecer a Deus e estar na luz podem ser verificadas.
O Teste De Estar Em Comunhão Com Deus Na Luz (Cap. 1:6-7)
João diz: “Se dissermos que temos comunhão com Ele e andarmos em trevas, mentimos e não praticamos a verdade. Mas, se andarmos na luz, como Ele na luz está, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo, Seu Filho, nos purifica de todo o [cada] pecado”. Assim, se Deus é luz e dizemos que O conhecemos e estamos em comunhão com Ele, mas vivemos de uma forma que prova que estamos em total ignorância de Deus, é claro que nossa profissão é falsa. Todos esses andam “nas trevas” e não são realmente crentes de verdade. Eles não têm conhecimento real da natureza santa de Deus e nada têm em comum com Ele, pois “que comunhão tem a luz com as trevas?” (2 Co 6:14) Por outro lado, se um homem faz a profissão de conhecer verdadeiramente a Deus, ele manifestará a realidade disso. Ele andará “na luz” e terá “comunhão” com os outros que estão na luz, e entenderá que “o sangue de Jesus Cristo, Seu Filho” limpou seus pecados. Ele será caracterizado por estas três coisas:
Em primeiro lugar, o crente está “na luz”. Assim, ele tem um conhecimento básico de Deus e da Sua natureza santa, por ter vida divina e crer no evangelho. Isso o coloca na luz posicionalmente. Como mencionado na Introdução, João olha as coisas abstratamente, Ele está falando aqui de onde o crente caminha, não como caminha. Ele não está levando em consideração que um crente, que está na luz, pode, às vezes, não andar de acordo com a luz. (“todos tropeçamos em muitas coisas” – Tg 3:2). Ele está olhando para a luz e para as trevas como algo posicional; todos estão na luz ou nas trevas. Alguém perguntou a J. N. Darby: “O que são ‘trevas?’ A resposta: a ausência do conhecimento de Deus e, quanto a isso, não é possível a nenhum Cristão estar nas trevas. Ao receber Cristo, eu recebo luz. Deus é luz e, se eu O conheço, não estou nas trevas” (Notes and Jottings, pág. 106). Foi-lhe perguntado também: “E se um crente virar as costas para a luz?” A resposta que ele deu foi: “Então a luz vai brilhar em suas costas, porque ele está sempre na luz!” (Unknown and Well Known, a biography of John Nelson Darby por W. G. Turner, pág. 36).
Em segundo lugar, “temos comunhão uns com os outros”. Os filhos de Deus têm um interesse comum – Cristo, o Filho de Deus – e isso os leva a andar juntos em feliz comunhão. Isso os caracteriza. Novamente, João não está considerando que às vezes uma pessoa pode sair da comunhão prática com seus irmãos com pensamentos e ideias divergentes, mas do que caracteriza os filhos de Deus.
Em terceiro lugar, “o sangue de Jesus Cristo nos purifica de todo o [cada] pecado”. Assim, os filhos de Deus conhecem o significado da obra consumada de Cristo na cruz, da qual fala Seu sangue. A consciência deles foi purificada como resultado do descanso na fé sobre o que Ele realizou lá (Hb 9:14). Assim, eles não têm desejo de escapar da luz, mas ficam felizes em serem sondados por ela (Sl 139:23-24; Jo 3:21) porque sabem que tudo o que a luz expõe, o sangue purificou. De fato, quanto mais minuciosamente a luz brilha sobre eles, mais claramente é visto que não há mancha de pecado neles! Tal é o poder purificador do sangue de Cristo. A palavra “purifica” neste versículo está no tempo perfeito no grego. Isso não significa que o sangue precise ser continuamente reaplicado se e quando um crente falhar, mas que o crente permaneça em um estado constante de ser purificado pelo sangue, porque o sangue nunca perde seu poder, tendo eficácia eterna.
O Teste De Ter A Natureza Pecaminosa (Cap. 1:8)
João passa a examinar outra alegação; neste caso, é em relação ao crente que ainda tem a natureza pecaminosa nele. Ele diz: “Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em nós”. Essa falsa alegação de que não temos pecado, mostra que não só havia homens associados à profissão Cristã que estavam em trevas quanto à verdadeira natureza de Deus, mas eles também estavam em trevas quanto ao seu próprio estado. Eles professavam não ter pecado neles! Ou seja, eles diziam que não tinham uma natureza pecaminosa – a carne! João diz que todas essas pessoas “enganam” a si mesmas. Fazer tal afirmação só prova que eles não estão na luz, porque se eles estivessem, a luz teria revelado a eles o que eles são. Um dos pontos mais elementares do conhecimento Cristão resultante de estar na luz é que sabemos que ainda temos a carne em nós (Rm 7:18). Isso mostra a seriedade de abraçar um erro; se nossas vontades estiverem trabalhando com relação ao erro, perderemos nosso discernimento e seremos enganados por ele. Assim, se nos depararmos com alguém que professa conhecer a Deus e estar em comunhão com Ele, mas diz que não tem uma natureza pecaminosa, ele está nos dando uma indicação clara de que provavelmente não é um verdadeiro crente.
O Teste da Confissão dos Pecados (Cap. 1:9-2:2)
João passa para outro ponto – a questão de ter pecado. Ele diz: “Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça. Se dissermos que não pecamos, fazemo-Lo mentiroso, e a Sua Palavra não está em nós” (vs. 9-10). A confissão dos pecados marca um verdadeiro filho de Deus. Já que ele está na luz, se ele peca, a luz o examinará, e sua consciência será despertada quanto ao que ele fez. Isso levará ao seu arrependimento, que trará uma confissão franca e humilde de ter pecado. Assim, o efeito de estar na luz é que confessamos nossos pecados. Todo verdadeiro filho de Deus fará isso. Alguém perguntou a J. N. Darby o que um crente em falta deve fazer quando ele está em um curso rebelde há anos e não consegue lembrar que pecado exatamente deu início ao seu afastamento do Senhor. Sua resposta foi: “Ele pode confessar seu estado de fraqueza em geral”. Se for genuíno, levará à sua restauração.
Confissão de pecados é, na realidade, um exercício do crente em relação à sua restauração à comunhão, quando ele falha. Se a confissão dos pecados fosse exigida dos pecadores que vinham a Cristo para a salvação, então como alguém seria salvo? Que pecador pode se lembrar de todos os seus pecados? Quando levamos em consideração o fato de que “a lavoura [pensamentos] dos ímpios é pecado” (Pv 21:4) e “o pensamento do tolo é pecado” (Pv 24:9), seria uma tarefa impossível. Seus pecados podem chegar aos milhares – talvez aos milhões! Um pecador buscar a salvação e o perdão dos pecados é simplesmente reconhecer ou confessar que é um pecador (Lc 18:13) e confessar Jesus como seu Senhor (Rm 10:9; Fp 2:11), mas não é exigido que confesse todos e cada um dos pecados que cometeu. O princípio abstrato envolvido no perdão dos pecados aqui pode ser amplo o suficiente para cobrir a vinda inicial de uma pessoa a Cristo para o perdão eterno e a salvação (ver Synopsis of the Books of the Bible por J. N. Darby, nota de rodapé em 1 João 1:9), mas o contexto mostra que João está realmente falando daqueles dentro da companhia Cristã. Comentando sobre isso, F. B. Hole disse: “É verdade, claro, que a única coisa honesta para um incrédulo, quando a convicção chega até ele, é confessar seus pecados, então o perdão, completo e eterno, será dele. O crente, contudo, está em questão aqui. Isto é: ‘Se (nós) confessarmos’”. (Epistles, vol. 3, pág. 147).
Perdão Paterno
Ao confessarmos nossos pecados, Deus é “fiel e justo para nos perdoar os pecados” porque as reivindicações da justiça divina foram satisfeitas por causa de um resgate ter sido pago por Cristo pelos nossos pecados (Mt 20:28; 1 Tm 2:6). João não diz exatamente que o crente que pecou deve pedir perdão – porque todos os crentes permanecem em um estado de eternamente perdoados – mas ele diz que precisamos reconhecer o que fizemos confessando nossos pecados a Deus, o Pai. Portanto, não é o perdão eterno que está em vista aqui, mas sim o perdão paterno. João acrescenta: “E nos purificar de toda a injustiça”. Isso tem a ver com sermos limpos da influência do pecado que cometemos e obter libertação de sua servidão (Jo 8:34). Isso é para nos ajudar a não falhar dessa maneira novamente.
V. 10 – Contudo, se alguém que professa estar na luz diz que “não pecamos”, deixa claro que não está na luz. Se ele estivesse realmente na luz, a luz teria manifestado seus pecados, e ele saberia que pecou. Negar que pecamos é o fruto da incredulidade. Isso desafia “Sua Palavra”, que afirma que todos os homens pecaram (Ec 7:20; Rm 3:23). Não vamos contradizer a Palavra se a tivermos realmente habitando em nós, como João diz aqui. No caso de um crente, o pecado interrompe sua comunhão com Deus. Ele ficará desconfortável durante todo o tempo em que estiver fora de comunhão, porque todo verdadeiro filho de Deus anseia pela paz e alegria e complacência que emana de estar em comunhão com Deus. Perder isso é perder seu senso de bem-estar espiritual, e isso produzirá uma confissão de seus pecados, quando a comunhão será recuperada de uma maneira feliz. Um crente meramente professante não sente essa perda porque nunca conheceu a comunhão com Deus.
A Advocacia de Cristo
Cap. 2:1-2 – Tendo falado da provisão graciosa de Deus para Seus filhos que falham, para que ninguém pense que ele está ensinando que não há problema algum para um filho de Deus pecar (porque existe esta provisão), João se apressa em corrigir esta falsa noção. Ele exclama: “Meus filhos, estas coisas vos escrevo para que não pequeis” (JND). Esta é a primeira vez na epístola que João fala ao seu público como: “Meus filhos”. Nisso, vemos sua paixão e profunda preocupação pela preservação deles. De modo algum ele aceitaria crentes tratando o pecado levianamente. É realmente algo muito sério que um filho de Deus seja encontrado em pecado; devemos nos afastar até mesmo de pensar isso. Se verdadeiramente enxergamos o que foi necessário para tirar o pecado com justiça – a agonia dos sofrimentos expiatórios de Cristo na cruz – nós o repudiaríamos!
A KJV diz: “Meus filhinhos [no diminutivo] …”[5]. No entanto, a palavra não deve estar no diminutivo no texto dos capítulos 2:1, 12, 28; 3:7, 18; 4:4; 5:21. “Filhinhos” se refere àqueles que são jovens na fé, mas João está se dirigindo a toda a família de Deus aqui, não apenas aos novos convertidos. Usar “filhinhos” neste versículo implica que os jovens na fé são os únicos que estão em perigo de pecar. Isso não é verdade; todos os santos podem falhar se não se mantiverem perto do Senhor (até mesmo um apóstolo poderia).
[5]  N. do T.: A palavra grega “teknion”(diminutivo de “teknon”), traduzida na KJV com “filhinhos” e na JND como “filhos”, é empregada nos caps. 2:1, 12, 28, 3:7, 18, 4:4, 5:21; Jo 13:33; Gl 4:19 e, conforme nota de rodapé da versão JND em 1 Jo 2:1, “é um termo de afeto paterno que se aplica aos Cristãos, independentemente do crescimento”; a palavra grega “paidion”, traduzida na KJV e JND como “filhinhos”, é empregada nos cap. 2:13 e 18 e significa os que são imaturos na fé, como em 1 Coríntios 14:20. Em todas as versões em português aparece apenas “filhinhos”. ↑
João prossegue e diz: “e, se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o Justo; e Ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo [mas também para o mundo inteiro – JND]”. Isso explica como é que os crentes que falham chegam a confessar seus pecados; é por meio da obra de Cristo como um “Advogado junto ao Pai” (ARA). Nota: João não diz: “Quando alguém pecar …”. Isso implicaria dizer que pecar é algo normal para um Cristão, o que não é verdade. Com Cristo intercedendo por nós como nosso Sumo Sacerdote, somos impedidos de pecar – se buscarmos ajuda n’Ele (Hb 7:25; 2 Pe 2:9; Jd 24). Portanto, na realidade, não pecar é Cristianismo normal. Mas “se”, por vontade própria, um crente pecar, há essa provisão de Deus para a restauração dele. Este é o argumento de João aqui. Dizer que não pecamos nega nosso estado e a necessidade da advocacia de Cristo; mas dizer que pecar é normal para nós, nega o sumo sacerdócio de Cristo.
Cristãos que falham não perdem sua salvação (como alguns erroneamente ensinam); se isso fosse verdade, então João teria dito: “Se alguém pecar, ele precisa receber a Cristo como seu Salvador novamente”. Mas ao referir-se a Cristo como nosso Advogado, como ele o faz, indica que está tratando com o assunto de restauração e não de salvação. Note também: a advocacia de Cristo é para “com o Pai”. Isso mostra que o pecado de um crente não afeta seu relacionamento com Deus. Deus ainda é seu Pai e o crente ainda é Seu filho, mesmo que tenha falhado. Da mesma forma, em uma família terrena, a criança que desobedece a seu pai não deixa de ser seu filho. Embora nosso relacionamento com Deus não possa ser afetado pelo pecado, nossa comunhão com Deus certamente será, e permanecerá suspensa até que confessemos o pecado que rompeu a comunhão. O problema é que poderemos entrar num estado de alma tão fraco que nem sequer estaremos conscientes de que estamos fora da comunhão com o Senhor e ser como Sansão que “não sabia que já o SENHOR Se tinha retirado dele” (Jz 16:20). Não devemos pensar que o Senhor nos abandona quando pecamos; Ele prometeu nunca fazer isso (Hb 13:5). Mas Ele retira o senso de Sua presença conosco.
“Advogado [Paráclito – TB]” poderia ser traduzido como “Patrono”, que significa “aquele que assume a causa de outro”. Na Escritura, é aplicado ao Senhor (1 Jo 2:1) e ao Espírito Santo (“parakletos” em grego, traduzido como “Consolador” em Jo 14:16, 26, 15:26, 16:7). É importante entender que a obra de Cristo como um Advogado começa imediatamente quando um crente cai em pecado, e não quando ele se volta para Deus em arrependimento e confessa seus pecados. João não diz: “Se alguém confessar seus pecados, tem um Advogado junto ao Pai”. Isso faria com que o trabalho de advocacia de Cristo fosse consequência de o crente falho se voltar para Ele, e estaríamos, assim, colocando o “carro na frente dos bois”. Se a obra de Cristo como um Advogado dependesse de nos voltarmos para Deus e confessarmos os nossos pecados, ninguém jamais seria restaurado, porque nenhum crente falho pode voltar por sua própria vontade – tal é o poder escravizador do pecado (Pv 5:22; Jo 8:34). A verdade é que não podemos nos salvar e, se falharmos, não podemos nos restaurar. A restauração é puramente uma obra do Senhor (Sl 23:3). É o que Cristo faz como um Advogado que nos leva a voltar para Deus e confessar nossos pecados.
Quatro Coisas Envolvidas na Advocacia de Cristo
Podemos perguntar: “O que exatamente Cristo faz como um Advogado que resulta na restauração do crente?” Há quatro coisas envolvidas neste trabalho:
- Em primeiro lugar, no exato momento que pecamos, Ele vai ao Pai e ora por nossa restauração. O Senhor orou por Pedro dessa maneira antes de Pedro ter retornado (Lc 22:31). Ao mesmo tempo, o Senhor defende nossa causa diante de Deus contra as acusações do diabo com relação aos pecados envolvidos em nossas falhas (Ap 12:10). O Senhor não está lá para persuadir Deus a desculpar ou ignorar nossos pecados, mas como “Jesus Cristo, o Justo”, Ele aponta para o Seu sangue e diz: “Eu paguei por esses pecados no terreno de ter feito ‘propiciação’ por eles”. Assim, nossa restauração é baseada na eficácia imutável da obra propiciatória de Cristo na cruz.
- Em segundo lugar, Ele dirige o Espírito de Deus para trazer a Palavra de Deus para a nossa consciência (Lc 22:61). O Espírito abordará nosso estado e nosso proceder pecaminoso e nos ocupará com nosso fracasso até que nos arrependamos e confessemos nossos pecados. Ele pode trazer um versículo à mente, seja ouvindo, lendo ou se lembrando, que falará conosco. Assim, a Palavra de Deus tem uma participação na restauração de um crente (Sl 19:7, 119:9).
- Em terceiro lugar, Ele emprega ação disciplinar em nossa vida (1 Pe 3:12). O Pai também trabalhará para esse fim (1 Pe 1:16-17). Todas as Suas ações para conosco nesta maneira governamental são fundamentadas em Seu amor por nós (Hb 12:5-11). Seu amor é tal que Ele usa até mesmo problemas (sofrimento, doença, tristeza etc.) em nossa vida para chamar nossa atenção e nos transformar (Jó 33:14-22).
- Em quarto lugar, Ele enviará nossos irmãos a nos buscar (Gl 6:1; Tg 5:19-20). Um irmão ou uma irmã pode falar-nos sobre o nosso curso, e isso pode ser usado pelo Senhor para nos converter do caminho tomado.
Essas coisas funcionarão conjuntamente para trazer o crente falho de volta a Deus no coração. Alguém que falsamente professa ter a vida eterna, não tem a Cristo como seu Advogado (nem como seu Salvador), e é por isso que ele não reconhece que pecou – e se o fizer, será superficial.
Propiciação
“Propiciação” (Rm 3:25; Hb 2:17; 1 Jo 2:2, 4:10) é uma palavra que tende a intimidar as pessoas porque parece algo profundo e complicado. Enquanto propiciação é uma verdade imensamente importante, seu significado, na verdade, não é difícil de entender. Refere-se simplesmente ao lado de Deus da cruz – ao que Deus recebeu por meio da obra expiatória de Cristo. Sua morte satisfez as demandas de justiça divina e reivindicou a natureza santa de Deus em relação ao pecado. Permitiu que Deus viesse em graça ao homem com uma oferta para perdoar plenamente todo pecador que crê. Assim, propiciação tem a ver com o atendimento das santas reivindicações de Deus contra o pecado. Mas há também o nosso lado da obra de Cristo na cruz, que os mestres da Bíblia chamam de substituição. O lado substitutivo de Sua obra na expiação tem a ver com atender às necessidades do pecador. Precisávamos de alguém para tomar nosso lugar sob o justo julgamento de Deus contra nossos pecados. Cristo fez isso, como diz o apóstolo Pedro: “o Justo pelos injustos, para levar-nos a Deus” (1 Pe 3:18). Assim, a expiação tem duas partes – propiciação e substituição.
Pregamos Propiciação ao Mundo, Não Substituição
João acrescenta: “não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo [mas também para o mundo inteiro – JND]”. Isso mostra que a propiciação é muito ampla em sua aplicação. Ela foi feita para o mundo todo e, por causa disso, cada pessoa no mundo pode ser salva se vier a Cristo com fé. A KJV acrescenta em itálico: “Para ‘os pecados do’ mundo todo”[6]. O uso de itálico na versão King James indica que a palavra “pecado” não está no texto grego, mas foi adicionada pelos tradutores por acharem que daria clareza ao texto. No entanto, quase sempre, essas adições mudam o significado da passagem. Isso é o que aconteceu aqui. A verdade é que a propiciação foi feita para o mundo inteiro, mas Cristo não levou os pecados de todos no mundo. A escritura afirma que Ele levou o juízo dos pecados de “muitos” – que se refere aos crentes (Is 53:12; Mt 20:28, 26:28; Hb 9:28) – mas não de todos os homens. É verdade que Cristo “morreu por todos”; isso é propiciação (2 Co 5:15; 1 Tm 2:6), mas Ele só suportou os pecados dos muitos que viriam a crer. Assim, o que Cristo realizou na cruz é “para todos”, mas apenas “sobre todos” os que creem (Rm 3:22). A gravidade desse erro, embora na maioria dos casos não seja intencional, é que apresenta Deus como sendo injusto. Se Cristo levou o juízo dos pecados de todos do mundo, então Deus seria injusto em permitir que alguém seja lançado no inferno. Eles pagariam pelos pecados que já foram pagos por Cristo!
[6]  N. do T.: Em todas as versões em português aparece a palavra “pelos”, referindo-se ‘aos pecados do mundo’, a mesma incorreção que a versão King James apresenta. ↑
Assim, pregamos a propiciação ao mundo no evangelho. Dizemos aos perdidos que as santas reivindicações de Deus foram atendidas pela obra expiatória de Cristo na cruz e que Deus não apenas está satisfeito, mas também que foi glorificado por isso. E, se eles vierem a Cristo com fé, eles podem ser salvos. Por outro lado, ensinamos a substituição para aqueles que creem. Dizemos a eles que Cristo levou o justo juízo de seus pecados e, portanto, Deus (sendo o Deus justo que Ele é) nunca os punirá por seus pecados. Fazê-lo exigiria um pagamento duplo, algo que Deus nunca faria porque seria injusto. Esta preciosa verdade dá ao crente paz e segurança.
Como regra geral nas epístolas, quando a obra de Cristo na cruz está em vista, e os pronomes “nós”, “nos” ou “nosso” são usados, é o lado substitutivo de Sua morte que está sendo apresentado (Is 53:5-6; Rm 4:25, 5:8; 1 Co 15:3; 2 Co 5:21; Gl 1:4; Ef 1:7; 1 Pe 2:24, 3:18; 1 Jo 3:5; Ap 1:5-6, etc.). Infelizmente, muitos pregadores evangélicos, obreiros missionários e professores de escola dominical, etc., têm entendido mal isso, e dizem a seus ouvintes não salvos que Cristo morreu por seus pecados e que Ele levou o juízo por eles. Esse equívoco decorre em grande parte de supor que esses pronomes na Escritura estão se referindo a toda raça humana, o que não estão; eles estão se referindo aos crentes – a companhia Cristã. As epístolas foram escritas para os Cristãos, não para as pessoas perdidas deste mundo. Ficaríamos muito contentes se os homens deste mundo as lessem; muitos foram salvos ao fazer isso, mas elas não foram escritas para eles.
O Teste de Obediência (Cap. 2:3-5)
João prossegue para examinar outra confirmação de profissão. Ele diz: “E nisto sabemos que O conhecemos: se guardarmos os Seus mandamentos. Aquele que diz: Eu conheço-O e não guarda os Seus mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade. Mas qualquer que guarda a Sua Palavra, o amor de Deus está nele verdadeiramente aperfeiçoado; nisto conhecemos que estamos n’Ele”. O teste aqui é obediência. Esta é uma das maiores provas da realidade da profissão de uma pessoa. João menciona duas coisas a esse respeito:
- Guardando Seus “mandamentos” (v. 3).
- Guardando Sua “Palavra” (v. 5).
Os “mandamentos” do Senhor são as instruções especiais que Ele deu a Seus discípulos em Seu ministério terreno. João se refere a eles várias vezes em seus escritos (Jo 13:34, 14:15, 15:10-12; 1 Jo 2:3-4, 7-8, 3:22-23, 4:21, 5:2-3; 2 Jo 4-6). Como mencionado na Introdução, o tema no ministério de João é a vida eterna na família de Deus. Ele supõe que condições felizes de afeto existam na comunhão do Pai e o Filho com os filhos de Deus, e quando o menor desejo ou anseio é dado a conhecer aos filhos, tem o poder de um comando sobre o coração deles. Torna-se algo para eles que devem fazer para aqu’Ele a Quem eles amam tanto (cap. 4:19). Por isso, essas coisas são apropriadamente chamadas de “mandamentos”. (Veja 2 Samuel 23:15-17).
Esses mandamentos não devem ser confundidos com os Dez Mandamentos que Deus deu a Israel por intermédio de Moisés (Êx 20). Alguns têm entendido mal isso e imaginaram que o Senhor estava ensinando que os Cristãos estão sob a lei e, portanto, devem observar suas determinações. 1 Coríntios 14:37 mostra que os mandamentos do Senhor não são os Mandamentos da lei dados no Sinai. Nesse capítulo, Paulo instrui os santos quanto à ordem de Deus para o ministério Cristão na assembleia, e conclui chamando essas coisas de “mandamentos do Senhor”. Isso mostra que não devemos pensar que toda vez que vemos a palavra “mandamentos” na Escritura, refere-se automaticamente aos Dez Mandamentos; as instruções que Paulo deu em 1 Coríntios 14 não têm nada a ver com os Mandamentos legais que Deus deu no Sinai. Geralmente, quando os Mandamentos mosaicos são mencionados nas epístolas, eles são chamados de “a lei” (Rm 3:19-20, 13:8-9; 1 Tm 1:9; Tg 2:10, etc.)
Seus mandamentos não são “pesados” para aqueles que O amam (1 Jo 5:3) porque Seu “jugo é suave” e Seu “fardo é leve” (Mt 11:29). Assim, no Cristianismo, as coisas que Ele nos pediu para fazer não são penosas, como foi a Lei de Moisés (Mt 11:28; At 15:10).
Guardar “Sua Palavra” é algo maior do que guardar Seus mandamentos. Tem a ver com conhecer a mente e a vontade de Deus quando não há nenhum versículo bíblico específico que aborde nosso motivo de preocupação. Tais coisas são discernidas permanecendo n’Ele – isto é, estando em comunhão com o Senhor (Jo 15:4, 7). Em tais situações, “o amor de Deus” é “aperfeiçoado” em nós. O gozo do Seu amor por estar em comunhão com Ele nos levou a discernir Sua mente e, nesse sentido, o amor de Deus alcançou seu fim divino em nós. Por isso, como crentes, nós não apenas “O conhecemos” por fé (v. 3), mas também “sabemos que estamos n’Ele” por meio da experiência pessoal da comunhão (v. 5). Nossa obediência prova a realidade do nosso relacionamento com Ele e mostra que realmente o conhecemos.
Por outro lado, se alguém disser que conhece a Deus, mas não guarda Seus mandamentos (e muito menos a Sua Palavra), fica claro que o amor e a obediência de que João está falando não estão nele. A pessoa manifestou sua condição real; ela não tem conhecimento real de Deus e mostra ser alguém “mentiroso, e a verdade não está nele” (v. 4).
O Teste de Andar Como Cristo Andou (Cap. 2:6-8)
João fala então de outro teste: “Aquele que diz que permanece n’Ele, deve também andar como Ele andou. Amados, não vos escrevo um mandamento novo, mas um mandamento antigo que tendes tido desde o princípio; este mandamento antigo é a palavra que ouvistes” (TB). (“Amado” é uma palavra que não é usada na Escritura para os perdidos. Deus ama os pecadores (Jo 3:16), mas reserva este termo de carinho para as crianças em Sua família.) Tendo falado em guardar Sua Palavra permanecendo n’Ele, João antecipa que haverá alguns que professarão permanecer n’Ele. Ele mostra que todas essas pessoas podem ser testadas quanto à realidade de sua profissão pela maneira como andam. Os verdadeiros crentes andarão “assim como Ele andou” – isto é, como o Senhor andou quando esteve aqui na Terra. Assim, a vida de Cristo é o padrão de vida do Cristão. Isso vai além da simples obediência para incluir a manifestação das características morais de Cristo em nossa vida – Sua mansidão, Sua humildade, Sua bondade, Sua compaixão, Sua empatia, Sua fidelidade, etc. Essas graciosas características serão manifestadas em verdadeiros crentes. Elas podem não ser tão distintas em nós como eram no Senhor, mesmo assim serão vistas em todo crente em alguma medida.
V. 7 – Tendo Cristo como exemplo de nossa caminhada, João diz para os santos: “não vos escrevo um mandamento novo”. O “mandamento antigo” – que é amar uns aos outros – foi perfeitamente expresso na vida do Senhor. João não teve acréscimos ou adendos para fazer porque você não pode melhorar a perfeição. Isso contrastava com o que os falsos mestres anticristãos estavam propondo. Eles eram conhecidos por dar uma nova reviravolta nas coisas – o que não era a verdade. Quão refrescante é ouvir João dizer que temos tudo o que precisamos em Cristo!
Pouco antes de o Senhor retornar para o Pai no céu, Ele deu este mandamento aos discípulos, chamando-o de “um novo mandamento” (Jo 13:34). Isso ocorre porque o tipo de amor com o qual eles estavam familiarizados sob o sistema Mosaico era amar seu próximo “como” a si mesmos (Lc 10:27). Mas agora, no Cristianismo, temos um novo e diferente ponto de referência; devemos amar uns aos outros “como” Cristo nos amou (Jo 15:10-12). Da perspectiva que João estava escrevendo – muito tempo depois de o Senhor caminhar neste mundo – ele se referiu a ele como “velho”.
V. 8 – Tendo dito isto, João diz: “Outra vez vos escrevo um mandamento novo, que é verdadeiro n’Ele e em vós; porque vão passando as trevas, e já a verdadeira luz alumia”. Isso soa como se João estivesse se contradizendo. Ele acabara de dizer que não tinha mandamento novo para entregar aos santos, mas agora ele diz que tem! O que ele quer dizer? É simplesmente que o antigo mandamento de amar uns aos outros deveria agora ser aplicado nas novas circunstâncias da nova dispensação que havia sido introduzida com a vinda do Espírito Santo. O novo mandamento não difere do antigo em substância. Como havia sido expresso em Cristo, agora encontrava sua expressão nos filhos de Deus. Consequentemente, João diz: “o qual é verdadeiro n’Ele e em vós” J. N. Darby observou: “Em outro sentido, era um mandamento novo, pois pelo poder do Espírito de Cristo, unindo-se a Ele e obtendo nossa vida d’Ele, o Espírito de Deus, manifestou o efeito desta vida “(Synopsis of the Books of the Bible, edição de Loizeaux, vol. 5, pág. 497). Assim, o antigo mandamento não perdeu seu frescor; foram as circunstâncias em que foi aplicado que o tornaram um novo mandamento.
Essa manifestação de amor nos filhos de Deus é a primícia de toda uma nova era de regeneração moral na Terra, que será estabelecida quando Cristo reinar em Seu reino – o Milênio (Mt 19:28). Antecipando esse dia, João diz: “vão passando as trevas, e já a verdadeira luz alumia”. A versão King James diz que as trevas “passaram”, mas, neste mundo, a ignorância quanto a Deus ainda não passou; devemos esperar pelo estabelecimento do Milênio para isso, quando a Terra estará cheia do conhecimento do Senhor (Is 11:9). Quando alguém olha em volta para as condições neste mundo hoje, ele pode estar inclinado a dizer que as trevas morais e espirituais estão aumentando, e não passando. Mas para aqueles que têm fé, eles veem as trevas em um processo de estarem passando porque “a verdadeira luz” começou a brilhar em Cristo e nos filhos de Deus, e isso é o precursor do que está por vir. Aquela luz que começou a brilhar agora nunca será extinta.
O Teste do Amor Divino (Cap. 2:9-11)
João examina mais uma característica de estar na luz – um amor genuíno por nossos irmãos. Ele diz: “Aquele que diz estar na luz, e aborrece a seu irmão, até agora está nas trevas. Aquele que ama a seu irmão, permanece na luz, e não há nele motivo de tropeço; mas aquele que aborrece a seu irmão, anda nas trevas, e não sabe para onde vai, porque as trevas lhe cegaram os olhos”. Mantendo o estilo de João, ele fala abstratamente aqui. Ele não está levando em consideração que um verdadeiro Cristão pode permitir que a carne se levante em sua alma e tenha sentimentos amargos em relação a um de seus irmãos. Ele está supondo que esse é o hábito e o caráter da vida de uma pessoa, porque ele está nas trevas e não é salvo de forma alguma.
Se alguém está verdadeiramente na luz, ele andará na luz e não procurará uma ocasião para fazer seu irmão tropeçar. Ele provará assim seu amor por seu irmão e que ele verdadeiramente permanece na luz. Por outro lado, aquele que odeia seu irmão “anda em trevas” e foi cegado pelas trevas em que anda. Ele manifestará isso sendo enganado pelas doutrinas errôneas da Cristandade e, assim, se afastando da verdade; ele também procurará fazer os outros tropeçarem da mesma maneira. Com isso, ele prova que não tem amor verdadeiro por seu irmão e que ele mesmo não é um verdadeiro filho de Deus.
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Um Resumo das Características dos Que Estão na Luz
- Eles andam na luz, em comunhão uns com os outros, com o conhecimento de que o sangue de Cristo os purificou de seus pecados (cap. 1:6-7).
- Eles sabem o que são em si mesmos – ainda tendo uma natureza pecaminosa (cap. 1:8).
- Se eles falham, eles confessam seus pecados porque eles têm um Advogado junto ao Pai (caps. 1:9-2:2).
- Em obediência, eles guardam Seus mandamentos e Sua Palavra (cap. 2:3-5).
- Eles exibem as características morais de Cristo em seu andar e maneiras (cap. 2:6-8).
- Eles amam seus irmãos e provam isso tomando cuidado para não serem causa de tropeço para eles (cap. 2:9-11).
