Origem: Livro: Breves Meditações

Êxodo 33-40

Um segredo estranho e maravilhoso se revela à medida que passamos dos capítulos iniciais de Gênesis para os capítulos finais de Êxodo. Refiro-me a estes fatos: em um, vemos o Senhor Deus preparando uma morada para o homem; no outro, vemos o homem preparando uma morada para o Senhor.

No início de Gênesis, o Senhor Deus constrói os céus e a Terra e os mobilia. Ele então planta um jardim no Éden, o local escolhido na Terra para esse fim, e ali coloca o homem que havia criado, abençoa-o com toda sorte de bênçãos, coroa-o e enriquece-o, e lhe dá uma companheira ajudadora, para que ele possa expressar a plenitude de um coração que transborda de satisfação.

Sabemos como o homem sujou e perdeu este seu belo estado, e foi expulso, em julgamento justo, do jardim para cultivar a terra para um sustento comum. Mas o Senhor Deus também Se tornou um estranho em Sua própria criação. Um cenário de poluição e corrupção, sem julgamento, não poderia ser Seu lugar. Ele não poderia descansar nele e ser revigorado por ele, como outrora o fora à vista da criação, ao surgir sob Sua mão, limpa, pura e perfeita. Ele visitou Seus eleitos que estavam nela; mas quando Ele terminou de falar com tais pessoas, como lemos, “Ele Se retirou”. O pecado a contaminou e O separou dela.

Isso continua.

Com o passar do tempo, Ele separa um povo para Si, dentre as nações desta Terra contaminada. Ele os redime para Si por sangue, e eles se tornam o Seu próprio povo, separado, posso dizer, como Ele próprio já era. E este povo, no devido tempo, da maneira adequada e com o caráter correto, prepara para Ele uma morada, um tabernáculo para a entrada e ocupação da glória, como vemos no final do Livro do Êxodo.

Assim como antigamente os céus e a Terra foram criados, o jardim do Éden foi plantado e o homem estabelecido nele como sua morada, coroado e desposado, e satisfeito em plena medida de bem-aventurança, e tudo isso vindo de Deus para ele, agora o tabernáculo é feito, mobiliado e erguido pelo homem para Deus, e a glória entra nele e a nuvem repousa sobre ele, e o Senhor Deus Se deleita em Sua nova morada, como Adão tinha se deleitado na sua.

Isso é maravilhoso. Há algo misteriosamente excelente e precioso nesse contraste entre o início de Gênesis e o final de Êxodo. Mas temos mais a observar do que isso.

Foi, naturalmente, em soberana prerrogativa, no exercício de Seu próprio e elevado beneplácito de Sua vontade, que o Senhor Deus, no princípio, edificou e mobiliou um lugar para o homem; agora, é em obediência, que o homem prepara um lugar para Deus. O próprio Senhor Deus havia ordenado que este tabernáculo fosse construído. Ele havia mostrado cada parte dele, em modelos, a Moisés; e em plena e exata conformidade com tais modelos todas as coisas agora haviam sido feitas. Assim como havia sido prescrito pelo Senhor, assim tudo foi feito por Israel; e assim como o próprio Senhor havia contemplado tudo quanto havia criado e feito, de acordo com Seu divino beneplácito, e o havia declarado bom, e nele repousado e o abençoado, assim Moisés agora contempla tudo quanto Israel havia feito, e estando de acordo com o mandamento e a prescrição de Deus, assim Moisés, da mesma maneira, (por assim dizer), o declarou bom, e abençoou o povo. E então, mantendo tudo em Sua mão soberana, o Senhor ordena a Moisés que junte tudo e o levante em sua forma de santuário; e Moisés fazendo isso, ainda no espírito de obediência, o Senhor, nos símbolos da nuvem e da glória, toma posse dele como Sua habitação.

Aqui está, repito, algo maravilhoso, algo misteriosamente excelente; que, embora o Senhor construa para o homem, e então o homem construa para o Senhor, ainda há uma distância infinita entre eles; o Senhor fazendo isso de acordo com a vontade de Seus soberanos direitos e prazer, o homem fazendo isso simplesmente como obediente.

No entanto, há muito mais para ser visto aqui.

Esta construção de uma morada para Deus foi, como vemos, um ato de obediência, e a obediência da fé, obediência a uma revelação. A desobediência a um mandamento, a violação da lei, havida no princípio privou Deus de ter um lugar em Sua própria criação; mas agora, a obediência, a obediência da fé a uma revelação, havia construído para Ele um lugar para Sua glória. Mas ainda temos que ver quem eram aqueles que foram tão obedientes, em que caráter o povo de Israel havia levantado este tabernáculo para a glória. E aqui somos apresentados a uma verdade muito bendita e necessária.

Precisamos voltar do capítulo 40 ao capítulo 33 para obter satisfação com isso; mas ali ficamos abundantemente satisfeitos e somos instruídos com muita graça e alegria.

Israel havia se destruído a si mesmo sob a lei, sob a sua própria aliança, ou seja, a antiga aliança. Tendo feito o bezerro de ouro, eles quebraram o primeiro mandamento da lei e seriam eliminados da terra. Mas o Mediador suspende a execução da justiça; e sob suas palavras (trazidas a eles pelo Senhor), eles assumem um novo lugar, assumem um novo caráter; despojam-se de seus ornamentos e buscam o Senhor no lugar para onde Ele havia Se retirado, fora do arraial deles.

Isto era, por convicção, tomar o lugar dos pecadores aos olhos de Deus. E isto era algo novo. Mas esta era a única coisa que o Senhor poderia de fato reconhecer. Era a única coisa verdadeira, o único lugar real; pois eles eram pecadores, e precisavam estar como pecadores diante d’Ele. Mas, estando convictos, eles deixaram o mediador saber que ele era toda a sua confiança. Eles o observam enquanto ele entra no lugar para onde Deus havia descido, deixam suas tendas, ficam, cada um à sua porta, e dali, convictos e humilhados, enquanto se curvam e adoram, olham para o mediador.

Isto foi belo – o segundo passo no caminho de um pecador convicto. Despidos de seus ornamentos, eles saem do arraial, como se estivessem imundos, e deixam o mediador saber que ele é toda a sua confiança. E ele não os decepciona, ele não poderia decepcioná-los. Não vou me aprofundar na cena de sua comunhão com o Senhor, enquanto estão juntos face a face, falando como um homem fala com seu amigo. Mas isto podemos ver, e isto podemos dizer – que Moisés usa seu lugar e sua intimidade, totalmente em prol da causa de Israel. A sinceridade com que ele roga ao Senhor que reconheça Israel como Seu povo e lhes conceda o benefício da graça na qual ele próprio se encontrava, é belo de se ver; e sabemos que em tudo isso ele representa Alguém maior do que ele mesmo, que ele é apenas a sombra ou reflexo do verdadeiro e único Mediador. Mas ele consegue. Ele não pôde, como propunha, fazer expiação por eles – isso está na mente d’Aquele que, no rolo do livro, como está escrito a Seu respeito, disse: “Eis aqui venho”, para Quem um “corpo” foi preparado – mas ele consegue ter o Senhor e o arraial juntos novamente, sob a promessa de que Canaã seria alcançada. O mediador não decepcionou as esperanças do povo. Ele esteve afastado deles durante todo esse tempo. Eles não o viam, mas ele os servia na presença de Deus com este amor sincero, devotado e abnegado.

Por fim, ele retorna a eles e traz consigo, por assim dizer, duas coisas: glória em seu semblante e os modelos do que ele viu no monte. A glória que ele carregava em seu semblante era a expressão da lei, e eles a achavam intolerável; os modelos eram as sombras dos bens futuros, testemunhas da graça, ou das provisões de Deus para os pecadores, e eles são chamados a adotá-los como seu único meio de bênção. Eles o fazem. Esta era a obediência da fé, a obediência prestada por pecadores convictos à revelação das provisões de Deus em graça para sua condição. E com total fervor de coração eles prestam este serviço de fé. Eles trazem suas ofertas para esta obra com corações voluntários e trabalham nesta obra com mãos hábeis e divinamente instruídas.

Tudo isso é muito feliz, na verdade, muito necessário, de se ver. Pecadores convictos, que pela fé aceitaram a provisão de Deus para sua condição arruinada, eram os artífices deste tabernáculo que o Senhor estava prestes a ocupar. E eles o fazem com corações prontos, inflamados por Sua graça, e com mãos hábeis, dotadas por Seu Espírito.

Tudo isso deve ser considerado principalmente. Quando falamos do homem preparando uma morada para o Senhor, é apenas sob um caráter como este, e de uma maneira como esta, que tal obra poderia ser feita. Deus nada poderia receber do homem, a não ser que o homem tomasse o lugar de um pecador convicto. Mas, se ele se humilhar, Deus pode exaltá-lo. Que ele receba pela fé as provisões de Deus para o seu estado de culpa e juízo, e então o Senhor receberá dele tributo, serviço e adoração, e, como demonstrado nestes grandes capítulos, uma morada para a Sua glória. Pois Salomão, falando por inspiração de Deus, diz, como de fato Moisés e o arraial obediente do deserto poderiam ter dito, no final do Livro do Êxodo: “O Senhor disse que habitaria nas trevas. E eu Te tenho edificado uma casa para morada, e um lugar para a Tua eterna habitação” (2 Crônicas 6).

O que pode ser mais grandioso e excelente nos caminhos de Deus e Sua graça! O evangelho resplandece aqui em muito de seu esplendor – pois o Senhor está ali aceitando os serviços de pecadores convictos que, pela fé, usam Sua provisão para seu estado de ruína e condenação. Sim, Ele ainda habita em santuários que a fé, por meio da operação de Seu Espírito, prepara para Ele – como, falando do Pai e de Si mesmo, o Senhor Jesus diz a respeito de cada um de Seus santos amorosos: “Viremos para ele, e faremos nele morada” – e o apóstolo fala da assembleia dos santos como “morada de Deus em Espírito” (João 14, Efésios 2).

E em conexão com isso, deixe-me dizer, de que maneiras maravilhosas o Senhor Jesus, o Cristo de Deus, é mais do que um Reparador de todas as fendas, ou do que um Restaurador de veredas para nelas habitar. Ele certamente é isso, mas Ele é mais do que isso.

Sabemos como tudo o que foi confiado ao homem, de tempos em tempos, falhou nas mãos do homem e decepcionou (falo como homem) as expectativas divinas. Adão no Éden ou na bela criação imaculada. Noé no novo mundo. Israel em Canaã. A casa de Davi no trono. A casa de Levi no santuário. O gentio com a espada e o poder, como um deus terrenal. O castiçal. Tudo se provou falso. Mas todos os propósitos, todas as expectativas divinas em cada um e em todos eles, serão respondidos e realizados por Cristo. A Terra florescerá novamente. Israel, Davi e Levi, povo, rei e sacerdote, estarão todos em seus devidos lugares e serviços nos dias do Messias. O governo do mundo será em justiça, e a Igreja será apresentada em plena beleza, uma Igreja gloriosa e sem mácula.

Tudo isso será assim, como nas mãos do grande Reparador de todas as fendas. Mas mais do que isso. No princípio, o Senhor Deus preparou um sábado. Adão o profanou. No devido tempo, Jeová preparou outro sábado em Canaã e em Salomão. Israel e a casa de Davi o profanaram. Mas agora, abençoado por poder contá-lo, Cristo preparou um sábado para Deus. “tendo consumado a obra que Me deste a fazer”, disse Ele, dirigindo-Se ao Pai. E Deus entrou neste sábado. Ele descansa na obra consumada do Senhor Jesus; e Ele descansará nela para sempre.

Mistério maravilhoso e precioso! O homem, o primeiro homem, Adão, profanou o sábado que Deus havia santificado; o Homem, o Segundo Homem, Cristo, aperfeiçoou e preparou um sábado para o Senhor Deus, e Ele o desfrutará para sempre.

Podemos muito bem dizer que Cristo é um Reparador de fendas, sim, e muito mais, para Seu louvor, em admiração pelos caminhos de Deus.

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