Origem: Livro: Breves Meditações

Gênesis 3-4

Estes são capítulos muito importantes. Eles nos mostram a produção das duas grandes energias que, até hoje, impulsionam todo o cenário moral ao nosso redor; e também nos mostram essas duas energias realizando suas diversas atividades naquela época, como ainda o fazem.

São capítulos notáveis. Maravilhosos, ao exibir tanta variedade de ações morais de forma tão distinta e, ao mesmo tempo, tão concisa – sem deixar nada despercebido, se eu puder dizer assim– e, ainda assim, em tão pouco espaço.

Eu notaria a produção dessas grandes energias e seus trabalhos: a energia da carne e a energia da fé, ou da velha natureza e da mente renovada.

A mentira da Serpente prevalece para produzir o primeiro deles.

A serpente atrai a atenção da mulher para palavras que continham alguma sugestão prejudicial ao seu Senhor e Criador. Era uma mentira, embora sutilmente transmitida; o único instrumento pelo qual ele poderia alcançá-la e tentá-la. Ela ouve e responde – e suas faculdades assim mobilizadas logo entram em ação em favor de seu sedutor, e ela sucumbe.

O princípio chamado de “a carne”, ou “o velho homem”, é produzido imediatamente – e imediatamente começa a agir. A confiança mútua é imediatamente perdida. A inocência não precisava de nada – mas a culpa traz necessariamente a vergonha e precisa de algum tipo de cobertura. Todo homem, até o momento, carrega consigo o que não consegue revelar com conforto e confiança, nem mesmo para seus semelhantes. A inibição tomou o lugar da liberdade, e os artifícios vêm aliviar a culpa e a vergonha. Assim é agora, e assim era naquela hora em que a carne foi gerada.

Mais profundamente ainda, ela se afasta de Deus. Podemos suportar a presença uns dos outros de uma maneira formal e cerimonial, e a compreensão comum da natureza culpada; mas não podemos suportar a presença de Deus. Embora tivesse o avental de folhas de figueira, quando Sua voz é ouvida, Adão se refugia sob as árvores do jardim. Esta é a carne, ou a velha natureza culpada, até hoje. Deus é intolerável. A ideia de estar a sós ou imediatamente com Ele é mais do que a consciência pode suportar. Todos os seus artifícios são vãos. Deus é demais para a carne. Ela secretamente sussurra e lança todo o mal sobre o próprio Deus, mas não pode se manifestar e Lhe dizer isso. Por sua própria boca, ela é julgada.

Estas são as suas energias mais simples e primitivas. Somos odiosos e odiamos, e estamos em inimizade contra Deus.

Mas a ação deste mesmo princípio (assim produzido em Adão pela mentira da serpente) manifesta-se de outras maneiras posteriormente em Caim. Caim “era do maligno”. Ele se torna um lavrador da terra. Mas ele ara não como sujeito à punição, mas como alguém que deseja obter algo desejável do solo, embora o Senhor o tenha amaldiçoado, algo para si mesmo, independente de Deus.

Esta é uma grande diferença. Nada é mais piedoso, mais de acordo com a mente divina a nosso respeito, do que comer o pão com o suor do rosto, obter alimento e vestimenta com trabalho árduo e honesto. É uma bela aceitação da punição do nosso pecado e uma reverência aos pensamentos justos de Deus. Mas extrair dos materiais do solo amaldiçoado aquilo que há de servir ao nosso deleite, à nossa honra e à nossa riqueza, esquecendo-nos do pecado e do juízo de Deus, é apenas perpetuar a nossa apostasia e rebelião.

Tal foi a lavoura de Caim. E, consequentemente, culminou na construção de uma cidade, dotando-a de tudo o que lhe prometia prazer ou o fazia progredir no mundo. Ele busca isso – e busca com avidez, embora precise encontrar tudo isso na terra de Node, nas regiões de alguém que havia deixado a presença de Deus.

Ele também tem sua religião. Ele traz a Deus o fruto do solo que estava cultivando.

Ou seja, ele queria, de boa vontade, que o seu gozo no mundo fosse sancionado por Deus. Se pudesse ordenar isso, manteria Deus em acordo com ele, embora estivesse transformando o próprio solo que Ele amaldiçoou a ocasião de seus deleites. Isso é algo muito natural – praticado por nosso coração até hoje. Caim desejava ligar o Senhor a si mesmo em seu mundanismo e amor às coisas presentes, para que pudesse manter a consciência tranquila. Mas o Senhor Se recusa – como recusa até hoje; embora, como dissemos, o coração até hoje de bom grado deseje ardentemente empreender os mesmos esforços e obter que seu mundanismo e amor às coisas presentes sejam sancionados e compartilhados por Jesus, para que a consciência não interfira na busca da concupiscência.

Que caminhos da carne ou do “velho homem” existem aqui! Tudo isso é exatamente o que está acontecendo no mundo até hoje. É a ação daquele princípio apóstata que foi gerado pela mentira da serpente na alma de Adão. E sendo do maligno, Caim “matou a seu irmão”. Ele tinha religião, como vimos; mas odiava e perseguia a verdade. Exatamente como acontece até hoje. Observe a mesma coisa em Saulo de Tarso, como ele mesmo relata de si mesmo em Atos 26. Observe-a na pessoa dos fariseus que se opunham ao Senhor. Observe-a na história da Cristandade, de todas as suas gerações até os dias atuais.

Esta é a inimizade da semente da serpente para com a Semente da mulher. “Como Caim, que era do maligno, e matou a seu irmão. E por que causa o matou? Porque as suas obras eram más e as de seu irmão justas”. Esta foi a causa. Foi a inimizade do pecado para com a piedade, a inimizade da mente carnal contra Deus, a concupiscência do velho homem, a concupiscência da carne contra o Espírito – foi o ódio do mundo para com Cristo, porque Ele testificou que “as suas obras eram más”. Essa inimizade nem sempre usa tais vestes manchadas de sangue, mas está sempre no coração: “Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus”.

Assim é a carne, a velha natureza, na história de sua produção e no curso e caráter de suas obras. Ela é exatamente agora aquilo que era então. Ela governa “o curso deste mundo” sob Satanás, mas também é encontrada em cada um de nós e realiza sua obra em cada um de nós, se for alimentada. Mas devemos conhecê–la – saber de onde veio e como opera, e mortificá-la em seus princípios e em seus atos, em todas as suas energias nativas que tão continuamente assediam a alma.

Mas agora nos voltamos para outras atividades que encontramos produzidas e em ação nestes capítulos maravilhosos: a atividade ou energia da fé produzida pela Palavra de Deus, por meio do poder oculto, mas eficaz, do Espírito.

Enquanto Adão estava na condição à qual o pecado o havia reduzido, enquanto ele ainda era o homem culpado e réu sob as árvores do jardim, a palavra do evangelho, as novas do Conquistador morto, d’Aquele que suportou a pena e ainda assim alcançou o ponto de vitória gloriosa, a Semente da mulher, chegou aos seus ouvidos, e ele nasceu de novo pela semente incorruptível, a palavra da verdade do evangelho.

Ele surge exatamente como era. Mas surge no pleno sentido da salvação e da vitória que a graça de Deus havia aconselhado e operado em favor dele. Consequentemente, ele fala da vida. Há algo muito belo nisso. Ele chama sua esposa de “mãe de todos os viventes”. Há algo verdadeiramente maravilhoso, bem como excelente, nisso. Morto como ele próprio estava em ofensas e pecados, ele fala da vida, mas fala dela em conexão com Cristo, e somente com Ele. Ele não se dá nenhum memorial vivo. Ele não se vincula ao pensamento ou à menção da vida, mas apenas à Semente da mulher, de acordo com a palavra que acabara de ouvir. Não, ele antes insinua que sabia muito bem que havia perdido todo o título e poder da vida, e que ela estava inteiramente em outro – mas que ela estava naquele outro para ele. Que a vida encontrada em outro era para seu uso, ele não tem a mínima dúvida; a prova disso é que ele imediatamente sai do lugar de vergonha e culpa para o lugar de liberdade e confiança, e da presença de Deus.

Ele recupera Deus. Ele O havia perdido e se afastado d’Ele. Ele O havia perdido como seu Criador, mas agora O havia recuperado como seu Salvador, no evangelho, na Semente da mulher, em Cristo, sua justiça.

Mas podemos acrescentar, para nosso grande conforto como pecadores, que essa simplicidade e ousadia de fé estão exatamente de acordo com a mente de Deus. Nada poderia ter sido tão grato a Ele quanto isso; e, consequentemente, como garantia disso, Ele primeiro faz uma túnica de peles para Adão e, então, com Suas próprias mãos, cobre seu corpo nu.

Isso é muito bendito. Esta é a fé que, no dia do poço de Sicar, e até hoje, dá ao Senhor um banquete para comer, algo que nem mesmo as amorosas e cuidadosas empatias de Seus santos mais queridos conhecem.

Cristo é agora tudo para este pecador perdoado. Da mesma forma, pela fé, Eva exulta na promessa. É o júbilo e a expectativa de seu coração; e a religião de Abel é inteiramente moldada por ela. As punições do suor do rosto e da tristeza do coração parecem ter sido esquecidas. E algo que deve ser profundamente considerado: nos apegamos levemente à Terra, quando Jesus foi firmemente agarrado. Adão recuperou o próprio Senhor, e parece nunca mais contar em ser um cidadão do mundo, mas um mero lavrador da terra, de acordo com a designação divina, por um período, e então deixá-la para compartilhar o pleno fruto da graça e da redenção, em que agora confiava, em outros mundos. Ele morre – isso é tudo. Ele não busca nenhum memorial aqui. Ele não constrói nenhuma cidade. Ele não almeja melhorar um mundo amaldiçoado. Ele trabalha arduamente nele e come seu pão dele. Mas ele nunca se esquece de que o juízo está sobre ele. A família de Sete invoca o nome do Senhor e espera, no tempo e na maneira de Deus, por conforto e bênçãos em lugar do presente trabalho árduo e maldição. Mas isso é o que importa na esperança e na profecia, enquanto a atitude de um estrangeiro no mundo julgado é o caminho atual da fé e da piedade.

Esta é realmente uma Escritura maravilhosa; e ela nos fala exatamente desta hora pela qual estamos passando.

A energia da carne, ou da velha natureza, é produzida e colocada em prática em toda a sua devida atividade; a energia da fé também é gerada na alma dos eleitos e demonstra seu poder de forma muito abençoada. Aprendemos nossas próprias lições aqui. Carregamos as duas energias em nós. Por natureza, somos cidadãos da cidade de Enoque, e pela graça nossa alma se conectou com Cristo, como Adão, Abel ou Sete. E aguardamos a trasladação de Enoque (Gênesis 5:24).

Estas coisas são contrárias uma à outra: “andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne” (ARA).

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