Origem: Livro: Segue-Me e Jejuando ou Festejando
Jejum ou Banquete
Agora, falarei um pouco sobre o jejum. Levi fez uma festa[2] (ou banquete) para o Senhor, e os escribas e fariseus murmuraram. Sempre há murmuradores quando Cristo é muito apreciado. Até os próprios discípulos murmuraram quando Maria derramou tudo o que tinha sobre o bendito Senhor. Bem, ela teve o privilégio de ser defendida por Ele. No caso diante de nós, os fariseus perguntaram: “Por que jejuam muitas vezes os discípulos de João e fazem orações, como também os dos fariseus, mas os Teus comem e bebem?” O Senhor respondeu a eles: “Podeis vós fazer jejuar os convidados das bodas, enquanto o esposo está com eles? Dias virão, porém, em que o esposo lhes será tirado, e, então, naqueles dias, jejuarão”.
[2]  N. do T.: Há duas palavras gregas traduzidas como “festa”, “ceia” ou “banquete”.
1. δεῖπνον (deipnon – G1173): Jantar; ceia; a refeição principal, usualmente à noite; festa; banquete, e ocorre 16 vezes no Novo Testamento (Mt 23:6; Mc 6:21, 12:39; Lc 14:12, 16-17, 24, 20:46; Jo 12:2, 13:2, 4, 21:20; 1 Co 11:20-21; Ap 19:9, 17).
2. δοχή (dochē – G1403): Uma recepção, uma recepção de convidados, um entretenimento festivo, e ocorre 2 vezes no Novo Testamento (Lc 5:29, 14:13).
Aqueles dias chegaram, e ao seguir Cristo deve haver jejum. Quem jejuou como o Homem de dores? E não somos chamados a segui-Lo? Bem, tenha certeza disto, quanto mais completamente seguirmos o Senhor, mais gozosos e alegres seremos verdadeiramente. Quem teve regozijos mais profundos, regozijos de comunhão, do que o Homem de dores? Quem jejuou como Ele, e Quem festejou como Ele? O Homem de dores, e o Homem do regozijo, nenhuma tristeza foi como a d’Ele, nenhum gozo como o d’Ele!
Você pode perguntar: “O que é jejum?” Não é abster-se do pecado. Esteja bem claro quanto a isso. Não deve haver concessão ao pecado, seja o pecado de desperdiçar as preciosas horas que Deus nos dá com coisas que apenas enfraquecem e contaminam, ou pecando de qualquer outra forma.
O que é jejum? O jejum físico é a abstinência de comida por um tempo. Ora, comer é correto. Deus nos dá abundantemente todas as coisas para delas desfrutarmos. A comida é necessária para o devido sustento do corpo, mas um homem pode se abster de comida por um tempo com um benefício em vista. Mas o jejum físico é, sem dúvida, uma figura do jejum moral.
Há muitas coisas que um Cristão pode fazer, que não são pecado em si mesmas, mas das quais ele se abstém. Devemos estar separados do mundo, que rejeitou e crucificou nosso Senhor e, ao estarmos separados, o jejum está envolvido. O mundano está festejando hoje, mas, infelizmente, jejuará por toda a eternidade. O Cristão jejua hoje, mas festejará por toda a eternidade. Parece pouco justo ou correto que um Cristão festejasse em ambos os mundos. Na verdade, Deus não permitirá isso.
Certamente nenhum Cristão verdadeiro deixará de responder a tudo o que está envolvido no chamado do Senhor. O Noivo não está aqui, e é aconselhável que jejuemos. Conheço um Cristão que gasta uma grande quantia por ano na obra do Senhor. Alguém lhe perguntou como ele conseguia gastar tanto. “Bem”, ele disse, “meus amigos têm seus cavalos e carruagens; eu posso viver muito bem sem essas coisas, e os interesses do Senhor podem ser ajudados por isso”. Quem poderia dizer que haveria algum mal em ele ter uma carruagem e cavalos? Ele jejuava dessa forma. Dois rapazes se converteram em Edimburgo algumas semanas atrás. Algum tempo depois, sua mãe lhes disse: “E o futebol agora, meninos?” “Nós paramos com isso, mãe”, foi a resposta. Certamente não poderia haver mal algum em chutar uma bola, mas neste caso envolvia filiação a um clube e associação com os ímpios, e o jejum era a verdadeira atitude deles no assunto. De mil e uma maneiras, o jejum convém ao Cristão, mas oh! Há recompensa em seguir o Senhor.
Um princípio importante que eu gostaria que você entendesse bem, e é que, na mesma proporção em que você jejua exteriormente, você festejará interiormente. Quem é tão verdadeiramente feliz quanto o absoluto seguidor do bendito Senhor? Ele não nos pede para esperar pela festa até chegarmos ao céu, mas Ele nos deu o penhor do Seu Espírito, o penhor do que está por vir agora mesmo, para que possamos cantar:
“Se mesmo aqui o provar das fontes celestiais,
Assim alegra o espírito que o peregrino canta,
O que o brilho do Sol de Sua glória provará?
O que a plenitude pura de Seu amor?”
A água que o Senhor dá está no crente, “fonte de água a jorrar para a vida eterna”. Você é um Cristão borbulhante? Sim, se você jejua, porque ama o Noivo. Fora com o jejum monástico! Fora com as restrições legais! Você ama o Senhor ausente? Então será seu gozo jejuar, e conforme você verdadeiramente jejua, na mesma intensidade, você se alegrará.
Deixe-me dar alguns exemplos da Escritura a respeito de jejuar e festejar. Veja o contraste entre Abraão e Ló. Abraão vivia em comunhão com Deus e em separação do mundo nas planícies de Manre. Sua tenda e seu altar proclamavam seu caráter. Ló, por outro lado, escolheu sua posição pela visão de seus olhos, e não pela fé. Ele escolheu a planície bem irrigada do Jordão, “como a terra do Egito, quando se entra em Zoar”. Ele persistentemente desejava o Egito (tipo do mundo), e isso influenciou sua escolha. Em seguida, ele “foi armando a sua tenda até chegar a Sodoma” e, finalmente, habitou na própria Sodoma, enquanto suas filhas contraíram alianças com os filhos de Sodoma. Sem dúvida, os sodomitas aplaudiram a liberalidade e a mente aberta de Ló e a contrastaram com a exclusividade de Abraão. Ló festejava enquanto Abraão jejuava. Ló também se assentou na porta de Sodoma. Ele ocupou o assento do magistrado. Quantas vezes ouvimos as pessoas dizerem: “Queremos que homens Cristãos sejam nossos políticos e juízes, para preencher lugares de influência para que possam ser um poder para o bem”, e os Cristãos são enganados por isso. Eu os advirto para não serem enganados pela mentira enganosa do diabo. Eles “não são do mundo, assim como Eu não Sou do mundo”, disse o Senhor a respeito de Seus discípulos; e a absoluta separação para o Cristão é o único caminho que a Bíblia fornece. Se um Cristão aceita um lugar de influência no mundo, ele descobrirá que não pode reformar o mundo, mas que ele próprio será arrastado para o seu nível. Seja avisado pela história de Ló. Cuidado com o primeiro passo em direção ao mundo. Se você recusa o primeiro passo, você nunca precisa temer o segundo.
Mas o tempo passou, e a colheita seguiu a semeadura, tão certamente quanto o efeito segue a causa. O julgamento caiu sobre Sodoma. Os anjos avisaram Ló sobre o julgamento vindouro. Despertado por fim, ele passou o aviso aos seus genros. Mas, ai! Ele era como alguém que zombava. Sua vida não dava peso ao seu testemunho. O que ele fazia roubava o poder daquilo que ele dizia. Ele havia criado raízes em Sodoma, e agora ele instava seus genros a fugirem. Do lado responsável e governamental, acredito que a proximidade de Ló com o mundo custou a vida de suas filhas casadas. Quão terrivelmente solene! Oh! Jovem crente, a proximidade com o mundo é uma coisa muito fatal! Recuse-se a se casar com um descrente a todo custo, por mais amável que ele ou ela seja, e por mais desejável que isso seja sob certos pontos de vista. “Somente no Senhor” (ARA), é o conselho da Escritura quanto ao casamento.
Você conhece o triste fim da vida de Ló à beira do mundo. Ele fugiu da cidade com sua esposa e filhas solteiras. Sua esposa olhou para trás, para a cidade que seu marido a havia ensinado a amar, e ela se tornou numa estátua de sal. Em uma caverna, bêbado e enganado, Ló, por meio de suas próprias filhas, se tornou pai de filhos, que por sua vez foram os progenitores de dois dos piores inimigos de Israel – os moabitas e os amonitas.
Caro jovem Cristão, você gostaria de ser um Abraão ou um Ló? A escolha é sua. Certamente Abraão foi o homem mais honrado e mais feliz. Mostre-me um Cristão mundano e eu lhe mostrarei um homem miserável. Tais pessoas têm o suficiente de Cristo para arruiná-las para o mundo, e o suficiente do mundo para impedi-las de desfrutar de Cristo.
Alguns anos atrás, pediram-me para votar. Eu disse ao angariador que já tinha votado, e tinha dado todo o meu voto a Um, e a esse Um o mundo tinha votado contra, de modo que havia uma questão distinta entre mim e o mundo. Entendendo-me, o angariador insistiu: “O que aconteceria se todos fossem como você? Como as coisas continuariam no mundo?” Eu respondi: “A melhor coisa para este pobre mundo aconteceria. O que impediria Aquele, se todos tivessem votado n’Ele, de vir a reinar em justiça,
“Para fazer toda a criação sorrir,
E silenciar seu gemido?”
Novamente, Moisés jejuou. As pessoas poderiam ter pensado que ele era um grande tolo por ter deixado a corte dos faraós, onde a providência de Deus o havia colocado, e se colocado ao lado de seus irmãos aflitos. Alguém poderia naturalmente ter raciocinado que, permanecendo na corte, ele teria sido capaz de melhorar a condição deles. Mas não, ele raciocinou corretamente e seguiu o caminho mais sábio. Lemos: “Pela fé, Moisés, sendo já grande, recusou ser chamado filho da filha de Faraó, escolhendo, antes, ser maltratado com o povo de Deus do que por, um pouco de tempo, ter o gozo do pecado; tendo, por maiores riquezas, o vitupério de Cristo do que os tesouros do Egito; porque tinha em vista a recompensa” (Hb 11:24-26). Onde você encontrará um servo de Deus mais honrado? Ele é mencionado em toda a Escritura. Foi ele quem guiou os filhos de Israel pelo deserto. Foi ele quem apareceu no monte da transfiguração com o Senhor; e no Apocalipse temos seu nome ligado ao do Cordeiro – “o cântico de Moisés, servo de Deus, e o cântico do Cordeiro”.
Se ele tivesse permanecido na corte dos faraós, o que dizer de seu nome na Escritura? Eu me arrisco a dizer que nenhuma linha teria sido dedicada à sua história. Você poderia ter visto no máximo sua múmia no Museu Britânico, mas isso teria sido pouca honra comparado ao seu sepultamento pelo próprio Deus. Ele jejuou de fato, e Deus o honrou.
Tome Sansão agora. Em vez de jejuar, ele festejou. Ele amava uma filisteia, uma inimiga de Deus, e ela arrancou dele o segredo de sua força, e o traiu para seus inimigos. Seu cabelo longo era um símbolo de sua separação, e esse era o segredo de sua força. Acredite em mim, deve haver uma caminhada secreta diante de Deus em sua alma, ou então você logo será privado de seu poder.
Tendo aprendido seu segredo, Dalila o fez dormir sobre seus joelhos, e naquele sono fatal seus cabelos foram tosquiados. Quando acordou, Sansão pensou em se sacudir como de costume. Quão lamentável é o comentário da Escritura: “Ele não sabia que já o SENHOR Se tinha retirado dele”.
E observe quão retributivas são as formas do governo de Deus. Sansão usou seus olhos para cobiçar uma mulher dos filisteus. Os filisteus arrancaram seus olhos. Amarrado com grilhões de bronze, ele moía trigo na prisão. Que fim lamentável teve o festejo de Sansão! É verdade que em sua morte ele matou mais de seus inimigos do que em sua vida, mas ele morreu com eles. Seu pôr do Sol foi como o de um Sol se pondo atrás de nuvens sombrias e sinistras.
Tome novamente o caso de Daniel e seus três companheiros. Eles recusaram a comida e o vinho do rei, pediram legumes e água em vez de se contaminarem. Por dez dias o experimento foi feito, e no fim daquele tempo “pareceram os seus semblantes melhores; eles estavam mais gordos do que todos os jovens que comiam porção do manjar do rei”.
Sempre achei que os Cristãos assumidos são os mais felizes. O rosto deles exibe o sorriso mais brilhante, e o coração está sempre transbordando de alegria.
Por fim, tomemos dois casos do Novo Testamento. Instintivamente pensamos naquele magnífico exemplo de jejum – o apóstolo Paulo. Ele negou a si mesmo alegrias naturais. Ele nunca teve, depois de sua conversão, até onde sabemos, um lar terrenal. Nunca pensamos nele como tendo interesses particulares. Como ele jejuava! Ele podia se comparar com os outros. “Em trabalhos, muito mais; em açoites, mais do que eles; em prisões, muito mais; em perigo de morte, muitas vezes… em trabalhos e fadiga, em vigílias, muitas vezes, em fome e sede, em jejum, muitas vezes, em frio e nudez. Além das coisas exteriores, me oprime cada dia o cuidado de todas as igrejas” (2 Co 11:23-28). Que registro de abnegado trabalho árduo! No entanto, no final de sua carreira notável, quebrantado até que ele pudesse se descrever como Paulo, o velho, abandonado pelos santos, toda a Ásia se afastou dele, na prisão, sem nenhuma perspectiva além do machado do carrasco, ele pôde escrever aos santos filipenses: “Regozijai-vos, sempre, no Senhor; outra vez digo: regozijai-vos”. Nenhuma nota de cansaço, desânimo ou decepção, mas sim, esquecendo as coisas que ficaram para trás, ele pôde dizer: “prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (Fp 3:14). Exemplo abençoado de festa interior e jejum exterior.
Que contraste é o pobre Demas. O caminho era estreito demais para ele. A carnalidade estreitou o caminho para ele, pois, na realidade, o caminho divino é o da mais verdadeira largueza. Paulo teve que escrever sobre ele: “Demas me desamparou, amando o presente século [mundo – ARA]” (2 Tm 4:10). Observe, Paulo não disse: “o presente século mau”, como em Gálatas 1:4; mas este presente mundo. Não o acusamos de nada flagrante. Não supomos que ele tenha cessado de partir o pão, mas, infelizmente, ele estava fora da verdadeira comunhão com o Espírito de Deus. Ele se acomodou silenciosamente no curso das coisas aqui embaixo, e desistiu em grande parte da boa luta da fé, e depois disso não ouvimos mais falar dele. Demas foi para Tessalônica, e então o véu do silêncio cai. Não duvidamos que ele foi para o céu, mas e quanto à Terra? Agora é nossa única chance de testemunhar por Cristo.
Caro jovem Cristão, você seria um Abraão, um Moisés, um Daniel, um Paulo? Você pode, se não em dom ou proeminência, pelo menos em fidelidade e jejum. Você evitaria ser um Ló, um Sansão, um Demas? Você pode, se for zeloso e evitar o primeiro passo do abandono. “Apanhai-me as raposas, as raposinhas, que fazem mal às vinhas, porque as nossas vinhas estão em flor”. Ah! São as raposinhas com as quais temos de ter cuidado, o inocente(?) cachimbo, o romance religioso, o teatro musical religioso, o companheiro amável, mas não convertido.
Por fim, em Lucas 5 somos advertidos contra remendos exteriores e mistura interior; Deus não faz remendos ou misturas. “Ninguém tira um pedaço de uma veste nova para o coser em veste velha… E ninguém põe vinho novo em odres velhos”, disse o Senhor. Com Deus é nova criação, não reforma. Já passamos da fase de conserto como pecadores, e agora os crentes são vistos como tendo se revestido do novo homem. Devemos ser vestidos com um caráter completamente novo. Não é um “eu” melhorado ou consertado que servirá para Deus, mas tem que ser Cristo agora, e nada além de Cristo. Nem vinho novo pode ser posto em odres velhos. O vaso velho é incompetente para receber a alegria do Espírito Santo. Para isso deve haver um vaso novo, uma nova criação.
Graças a Deus, o velho “eu” insatisfatório foi colocado de lado por Deus, e temos o direito de deixá-lo de lado no poder do novo, no poder do Espírito.
Que as duas palavras — “SEGUE-ME” — soem em seus ouvidos e coração com mais poder, com permanência mais profunda, com resultados duradouros para Seu louvor e glória, e seu regozijo e recompensa, por amor do Seu nome.
