Origem: Livro: Breves Meditações
Jornadas a Jerusalém
A jornada dos magos (ou sábios – JND) do Oriente, como lemos em Mateus 2, e a jornada da rainha do Sul, como a temos em 2 Crônicas 9, brilham com algo de beleza e significado semelhantes diante de nós. Todos eles vão para Jerusalém – mas os sábios do Oriente começaram sua jornada sob o sinal ou a pregação da estrela; a rainha do Sul começou a sua simplesmente com base em um relato que havia chegado a ela em sua terra distante. Pois, em certos momentos, o Senhor visitou e guiou Seus eleitos por meio de sinais, indícios visíveis, sonhos, vozes, visitas angelicais e coisas semelhantes – em outros momentos, Ele simplesmente fez com que ouvissem um relato, como no caso desta ilustre senhora. Mas, por mais que Ele Se dirija a nós, a fé reconhece Sua voz, como nestes casos. “Minhas ovelhas ouvem a Minha voz… e elas Me seguem”.
Os sábios foram adorar e levaram oferendas consigo: a rainha do Sul foi consultar à porta da sabedoria e aprender lições de Deus; e comerciando por aquilo que era mais precioso do que ouro ou rubis, ela levou consigo alguns dos tesouros mais escolhidos de seu reino.
A jornada dos sábios é rica em ilustrações da vida de fé. Mas Jerusalém não os satisfez. Eles tiveram que seguir para Belém para alcançar o Objeto de sua fé. Na jornada anterior da rainha do Sul, Jerusalém atendeu a todas as expectativas dela. Nela podemos encontrar algumas características morais marcantes, que trazem consigo diversas advertências saudáveis e significativas para nossa alma.
Em primeiro lugar, observo que o relato que lhe havia chegado a respeito do rei em Jerusalém a deixou imediatamente insatisfeita com sua condição presente, por mais rica e honrada que ela fosse. Pois ela parte imediatamente, deixando para trás seu próprio domínio real, com todas as suas vantagens na carne e no mundo. O fato de sua jornada revela a inquietação e a insatisfação que as notícias sobre Salomão e Jerusalém haviam despertado.
Isto fala aos nossos ouvidos. Fala-nos da operação em nosso coração que a notícia que se espalhou sobre Alguém maior que Salomão deveria produzir. Em espírito semelhante, até hoje, a alma vivificada, sob o relato que recebeu sobre Jesus, é convencida e inquieta naquela condição em que a natureza nos deixou, e este relato nos encontrou. Ficamos perturbados por ele – tirados de todo o conforto e satisfação que antes podíamos ter em nós mesmos, em nossas circunstâncias ou em nosso caráter.
Mas digo novamente. Assim que esta senhora eleita chegou a Jerusalém, pôs-se a inspecionar todos os bens do rei ali. Ela veio para esse propósito, e o faz. Ela não é ociosa. Ela se familiariza com tudo. Ela fez perguntas difíceis ao rei, ouviu sua sabedoria e contemplou suas glórias. O próprio modo de sentar e as vestes de seus servos não lhe escaparam – e certamente nem a sua subida pela qual subia à casa do Senhor.
Isso fala novamente aos nossos ouvidos. Quando chegamos a Jesus, nossa alma faz d’Ele o nosso Objeto. Aprendemos sobre Ele, falamos d’Ele, investigamos os segredos de Sua graça e glória. Carregamos a sensação desse algo único; que nossa ocupação é com Ele. Ele é o nosso Objeto.
Mas, em terceiro lugar. Depois que esta rainha estrangeira se familiarizou com tudo o que pertencia ao rei em Sião, ela ficou satisfeita. Sua alma estava saciada como com tutano e gordura. Ela não sabia o que fazer consigo mesma. Ela não entendia sua nova condição. A alegria era avassaladora. “Eis que não me contaram a metade” (ARA), disse ela; e Salomão sobrepujou a sabedoria e bens que lhe chegaram a respeito dele. Não havia mais espírito nela. Ela retorna à sua terra e ao seu povo, preenchida. Ela o deixou, como a mulher de Sicar deixou Jesus; esvaziada de tudo o mais, mas preenchida e satisfeita com a descoberta de seu novo tesouro.
Tal tinha sido o seu caminho maravilhoso. Sua jornada havia começado na inquieta e incômoda sensação de necessidade; todo o seu antigo e belo serviço às circunstâncias lisonjeiras fora rompido. Ela se familiarizou com os vastos e misteriosos tesouros do lugar para onde sua jornada a havia conduzido; Ela fizera isso cuidadosamente, com um coração cada vez mais engajado e interessado à medida que prosseguia em sua busca. Ela terminou sua jornada, ou retornou à sua terra natal, como alguém repleta, até a borda, de todas as suas expectativas e desejos.
A jornada do sul até Jerusalém, registrada no Novo Testamento, tem características muito semelhantes. Refiro-me à do eunuco da Etiópia, em Atos 8.
Ele inicia sua jornada com a consciência inquieta. Ele havia ido a Jerusalém para adorar, mas deixou aquela cidade de solenidades, aquela cidade do templo e do serviço a Deus, com seu sacerdócio e ordenanças, ainda inquieto; e o vemos como um inquiridor ansioso em seu caminho de Jerusalém para o sul de Gaza. Nada naquele centro de provisões e observâncias religiosas havia dado descanso à alma. Ele estava insatisfeito com a adoração que ali tinha rendido. Sua consciência não estava purificada. Ele ainda não tinha resposta para Deus. Não havia descanso em seu espírito. Jerusalém, posso dizer, o havia decepcionado, assim como decepcionou os sábios.
Mas se, como a rainha de Sabá, ele estava a princípio, ao iniciar sua jornada, inquieto e insatisfeito, como ela, ele estava profundamente envolvido com o que Deus lhe estava provendo, por meio de Suas testemunhas e representantes. A Palavra de Deus se dirigia à sua alma. O profeta Isaías estava tirando-o para fora de si mesmo. Ele não se surpreendeu com a voz do estranho naquele lugar deserto. Tudo o que lhe importava, tudo o que ele pensava, era o segredo do Livro. Ele estava inspecionando o testemunho da graça de Deus, como a rainha outrora inspecionara o domínio de Salomão, o testemunho da glória. E Filipe revelou ao eunuco o segredo que ele buscava.
E então, ele é satisfeito. Seu coração, como o dela, está preenchido pelo que agora lhe foi revelado. Ele prossegue a segunda etapa de sua jornada, de Gaza à Etiópia, “jubiloso”. Filipe pode deixá-lo, e ele pode passar sem ele. A mulher de Sicar pode novamente deixar seu cântaro e encontrar em Jesus tudo para ela. Com a alma saciada, como com tutano e gordura, ele pode seguir seu caminho. Outra pessoa retorna ao Sul, a Sabá ou à Etiópia, com o coração rico pelas descobertas que fizera em sua visita a Jerusalém.
Essas características semelhantes são facilmente identificadas nessas narrativas. Mas foi, antes, a consciência que impulsionou o eunuco em sua jornada; foi o desejo que moveu a rainha. E a rainha entrou em contato com a glória, na corte e domínio de Salomão; o eunuco com a graça, nas palavras do profeta Isaías. Mas, quer Deus nos dirija com uma revelação de Sua graça ou de Sua glória; quer Ele Se dirija à consciência ou ao coração, é Sua alta e divina prerrogativa nos satisfazer – como Ele faz com esses dois distintos indivíduos. Ele sacia a alma com uma manifestação de Si mesmo, seja qual for a forma dessa manifestação, ou adaptação a qualquer exigência ou necessidade da alma que aprouver a ela. E tal satisfação obtemos de forma diferente, mas muito abençoada, exemplificada nestes dois casos.
E permitam-me acrescentar mais uma característica comum a ambos. O espírito deles era livre de qualquer ressentimento. A rainha contemplava as glórias de Salomão e podia contemplar seu estado mais elevado, eminente e excelente, sem o menor sinal de ciúme ou inveja. Ela estava feliz demais para isso. Podia felicitar o rei em Sião, e seus servos que o serviam, e seu povo que ouvira sua sabedoria, e voltar para casa como alguém que teve o privilégio apenas de visitá-lo; mas não lhes invejava a porção mais rica que eles desfrutavam. Sua própria parte na bênção a saciava, embora seu vaso fosse comparativamente pequeno. E o mesmo acontecia com o eunuco, tenho plena certeza. Ele estava disposto a ser um devedor a Filipe – a saber que é o menor que é abençoado pelo maior: Que assim seja, diria seu espírito. Ele estava feliz, estava cheio; e, se não havia vazio em seu espírito, podemos ter certeza de que não havia ressentimento ali.
Que alegria deveria haver ao contemplarmos tais exemplos da obra divina! A alma perturbada por causa de sua própria condição, focada na busca fervorosa por Cristo, satisfeita pela descoberta d’Ele, e então, feliz demais para habitar em meio aos tumultos e conflitos daquela natureza que deseja invejar! E quão silenciosamente o processo é conduzido! Ele prossegue no espírito de um homem pelo poder que opera segundo o padrão do vento que sopra onde quer, mas de onde vem e para onde vai, não sabemos.
Tenho, no entanto, outro pensamento sobre o assunto das jornadas a Jerusalém.
Às vezes, descobrimos, como no caso da rainha de Sabá, que aquela grande cidade atendeu a todas as expectativas que o coração havia formado a seu respeito. O que havia ali a satisfez profunda e plenamente, como vimos. Mas Jerusalém, às vezes, decepcionou gravemente o coração. Isso aconteceu, como posso repetir, com os sábios do Oriente, que foram para lá em busca do Rei dos Judeus. Eles tiveram que passar por ali e iniciar outra jornada, até Belém, no sul. Ela também decepcionou o eunuco, como também observei. Ele havia ido lá para adorar, mas saiu dela insatisfeito em espírito e buscando aquele descanso que, como vimos, todas as provisões religiosas daquela cidade, do templo e do sacerdócio, não lhe deram, nem podiam lhe dar. E posso acrescentar que ela decepcionou o Senhor Jesus da mesma forma. Em vez de encontrar ali Sua acolhida e Seu lugar, Ele teve que chorar sobre ela e pronunciar sua condenação, e encontrar ali em Sua própria Pessoa o que aqui podemos mais lembrar do que mencionar.
No entanto, nos últimos dias, por assim dizer, ela reviverá e retomará o caráter que desempenhou nos primeiros dias. Responderá a todas as mais ricas expectativas daquelas multidões que então, como a rainha do Sul, subirão até lá para ver o Rei em Sua beleza. As estradas estarão então repletas de alegres visitantes, e os corações de milhares de nações repetirão novamente o que encontraram na cidade santa. Ali “afluirão todos os povos” (ARA), como lemos; “E irão muitos povos, e dirão: Vinde, subamos ao monte do SENHOR, à casa do Deus de Jacó, para que nos ensine os Seus caminhos, e andemos nas Suas veredas; porque de Sião sairá a lei, e de Jerusalém a Palavra do SENHOR”. E novamente lemos: “E acontecerá que, todos os que restarem de todas as nações que vieram contra Jerusalém, subirão de ano em ano para adorar o Rei, o SENHOR dos Exércitos, e para celebrarem a festa dos tabernáculos”. E novamente: “Alegrei-me quando me disseram: Vamos à casa do SENHOR. Os nossos pés estão dentro das tuas portas, ó Jerusalém. Jerusalém está edificada como uma cidade que é compacta. Onde sobem as tribos, as tribos do SENHOR, até ao testemunho de Israel, para darem graças ao nome do SENHOR”. Estas estão entre as testemunhas divinas e inspiradas da virtude saciadora dessas jornadas à cidade do grande Rei no dia do reino, quando a promessa que a jornada da rainha de Sabá nos deu será abençoadamente resgatada na alegria do coração dos milhares de nações que, no vindouro dia da restauração de Sião, esperarão lá para prestar serviço voluntário ao Senhor da Terra.
O desfecho, então, é simplesmente avaliado. As jornadas a Jerusalém satisfazem ou decepcionam; e é o próprio Senhor Quem deve determinar qual será o caso. Sua glória foi, naquele momento, exibida ou refletida ali, e, portanto, a visita satisfez a rainha de Sabá; Sua graça não era então ministrada ou testemunhada ali, e, portanto, a visita decepcionou o eunuco da Etiópia. E assim, o valor daquela cidade de solenidades devia ser medido pela presença de Cristo ali.
E assim, permitam-me dizer, de todas as ordenanças e serviços. Se Jesus não for a vida e a glória dela, Jerusalém é apenas uma “cidade dos jebuseus”: se Ele o for, ela é o “gozo de toda a Terra”. Como o Monte Sinai ou o Horebe. Ele é apenas “o monte Sinai na Arábia”, ou ele assume a dignidade de “o monte de Deus”, conforme o Senhor o adote ou não. As ordenanças da lei eram “sombras das” boas “coisas futuras”, o mobiliário da “bela casa” de Deus, ou meros “rudimentos fracos e pobres”, conforme Cristo os usasse ou os rejeitasse.
