Origem: Livro: Justificação
Justificação é no Princípio da Lei?
Muitos concordam que Cristo suportou a pena por nossos pecados[7] na cruz, o Justo pelos injustos (1 Pe 3:18). No entanto, será dito, nós agora estamos diante de Deus na justiça da perfeita obediência de Cristo à Lei, e é nesta base que Deus justifica o crente. Citando um conhecido professor da Bíblia: Nós falhamos em guardar perfeitamente a lei de Deus e, portanto, deveríamos morrer; mas Jesus não falhou – somente Ele cumpriu a lei de Deus perfeitamente[8] – e por isso não deveria ter morrido. No entanto, em Sua misericórdia, Deus proveu em Cristo uma grande substituição – uma troca abençoada – de acordo com a qual Jesus pode nos defender para com Deus, oferecendo Sua justiça perfeita no lugar de nosso fracasso e o sangue de Sua própria vida no lugar do nosso. … Quando recebemos a misericórdia que Deus nos oferece em Cristo pela fé, Sua perfeição é imputada – ou creditada ou contada – a nós e nossa falha pecaminosa é imputada – ou creditada ou contada – a Ele.[9]
[7]  Também será dito que pecado é transgressão da lei – um resultado da pobre tradução de 1 João 3:4. Pecado é iniquidade, mesmo à parte da lei. ↑
[8]  O autor insere a referência: “Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado” (Hb 4:15). O Senhor Jesus pode, de fato, identificar-Se com nossas enfermidades (Ele se cansou, teve sede, teve fome) e Ele também teve provações (Mt 4; Lc 4); mas este versículo nada diz sobre Sua obediência à Lei.  ↑
[9]  John Piper, What God Requires, Christ Provides ↑
Perguntamos: nossa justificação repousa sobre a obediência de Cristo à Lei? “Se a justiça provém da Lei, segue-se que Cristo morreu debalde” (Gl 2:21). Este versículo sozinho resolve isso; a justiça do crente não vem por meio da obediência de Cristo à Lei, mas sim por Sua morte. Será, no entanto, insistido que este versículo fala de nós guardarmos a Lei e que a obediência legal de Cristo é uma coisa totalmente diferente. E ainda, Jesus era verdadeiramente homem e foi como homem que Ele aprendeu a obediência (Hb 5:8). Se a obediência de Cristo à Lei é imputada a mim, sou justificado pela Lei – esse é o princípio pelo qual sou justificado. Isso contradiz todo o argumento de Paulo: “Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo, temos também crido em Jesus Cristo, para sermos justificados pela fé de Cristo e não pelas obras da lei, porquanto pelas obras da lei nenhuma carne será justificada”. (Gl 2:16). A expressão “pela fé de Jesus Cristo” pode ser aproveitada, mas significa simplesmente a fé que tem Cristo como seu objeto[10], como a próxima frase confirma, “temos também crido em Jesus Cristo”. As traduções modernas[11] traduzem esta expressão como “fé em Jesus Cristo”, o que corretamente dá o sentido. A expressão não deve ser interpretada como significando a fé de Cristo.
[10]  É o genitivo objetivo; o substantivo recebe a ação. Normalmente associamos o caso genitivo à possessão, mas nem sempre é assim, como tal, cito um exemplo inglês: o patriota tinha um grande amor do país. É o amor do patriota (não do país) e seu objeto é o país. ↑
[11]  RSV, ESV, etc. ↑
No quarto capítulo de Romanos, o apóstolo deixa bem claro que a justiça imputada a Abraão foi por conta da fé – a justiça da fé – e não da Lei. Não poderia ser de outra forma; a Lei veio muitos anos depois de Abraão. “Porque a promessa de que havia de ser herdeiro do mundo não foi feita pela lei a Abraão ou à sua posteridade, mas pela justiça da fé.” (Rm 4:13). A justiça da fé é imensamente diferente da justiça da Lei (Rm 10:3-10). Esta última é baseada em obras – conduta justa no homem, aceitável a Deus. A primeira repousa sobre Deus e Sua palavra – em nosso caso, o que Deus tem a dizer sobre a obra de Seu amado Filho na cruz.
A Lei foi introduzida como medida, um aio [ou tutor], até que Cristo viesse: “A lei nos serviu de aio, para nos conduzir a Cristo, para que pela fé fôssemos justificados” (Gl 3:24). Em vez de produzir justiça em Israel, a lei expôs sua natureza pecaminosa, e isso continua a ser assim hoje em dia (1 Tm 1:8-9). “Porque pela lei vem o conhecimento do pecado” (Rm 3:20). “A fim de que pelo mandamento o pecado se fizesse excessivamente maligno” (Rm 7:13). É verdade que a perspectiva de vida era oferecida ao obediente israelita, mas era a vida na Terra. Nunca encontramos o céu aberto diante deles, nem houve qualquer mudança na essência da sua posição diante de Deus. Quanto ao Cristão, Paulo deixa bem claro que não estamos debaixo da Lei: “Pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça” (Rm 6:14). Se eu não estou debaixo da Lei, por que ela deveria ter sido cumprida em meu nome?
Suponhamos por um momento que nossa justiça fosse baseada na Lei; onde isso nos levaria? Seria exatamente uma justiça jurídica baseada em obras. A lei dada a Israel adequava-se ao relacionamento deles com Deus Jeová; representava um comportamento justo em um povo terreno. Como medida, no entanto, isso fica aquém da glória de Deus. “Pois a Lei nenhuma coisa aperfeiçoou” (Hb 7:19). Para estar diante de Deus – não o Deus velado do Velho Testamento – nossa justiça deve corresponder à perfeição absoluta de Deus: Sua justiça, santidade, verdade, majestade e amor – nada pode ser discordante. O ensino, portanto, de que posso estar diante de Deus na justiça de uma lei cumprida, representa uma falha grosseira em compreender tanto o caráter de Deus quanto a natureza e o propósito da Lei. Nossa justiça em Cristo repousa sobre Sua obra completa na cruz e na aceitação de Sua pessoa e obra diante de Deus. “E, por meio dele, todo o que crê é justificado de todas as coisas das quais vós não pudestes ser justificados pela lei de Moisés” (At 13:39 – ARA).
A justiça de Deus é manifestada no evangelho completamente à parte da Lei. “Mas, agora, se manifestou, sem a lei, a justiça de Deus, tendo o testemunho da Lei e dos Profetas, isto é, a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo para todos e sobre todos os que creem; porque não há diferença” (Rm 3:21-22). Deus é muitíssimo justo, gloriosamente justo,[12] se assim posso dizer, ao estender misericórdia ao homem (a todos) e justificar o ímpio (a todos os que creem) por causa da obra incomparável e completa de Jesus Cristo no calvário. Tudo nos escritos de Paulo exige que mantenhamos a Lei inteiramente fora da justificação.
[12]  Eu não falo do motivo da parte de Deus, pois isso certamente seria Sua bondade amorosa – não Sua justiça. Como Deus se mantem justo mesmo ao estender misericórdia ao homem é um dos grandes paradoxos respondidos na epístola de Paulo aos Romanos. ↑
Um comentário adicional deve ser feito em relação à citação anterior. Foi dito: Falhamos em guardar a lei de Deus perfeitamente, e então deveríamos morrer … Jesus não falhou e então Ele não deveria ter morrido. A morte é meramente o resultado da violação da lei? A resposta é não. “A morte reinou desde Adão até Moisés” (Rm 5:12-14). Adão recebeu um mandamento: “Não comerás” (Gn 2:17), assim como Moisés: “Não tomarás” (Êx 20:7-17). Aqueles desde Adão até Moisés nunca tiveram um mandamento explícito; no entanto, eles também morreram. Todos, desde Adão, possuíam uma natureza caracterizada pela morte – mesmo quando não havia Lei para responsabilizar-lhes. O Homem Jesus, entretanto, não tinha uma natureza pecaminosa como Adão; Sua natureza era inteiramente santa. Ele permanece como o Cabeça de uma nova criação (1 Co 15:22). “Nele não há pecado” (1 Jo 3:5). O cumprimento da Lei por Cristo (Mt 5:17) não foi a razão pela qual Ele poderia ter escapado da morte; Ele não possuía uma natureza caída. Por outro lado, Jesus tinha um corpo humano que podia morrer. “E, achado na forma de Homem, humilhou-se a Si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz.” (Fp 2:8), e Ele o fez, pela graça de Deus, por nós. “Ninguém ma tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho poder para a dar, e poder para tornar a tomá-la.” (Jo 10:18).
