Origem: Livro: Os Evangelistas

Lucas 13

O ensinamento do capítulo anterior foi muito importante para nossa alma; e agora, no início deste, estamos naquele mesmo tempo, conforme lemos, e então eu acredito na mesma verdade também. O homem que havia acusado seu irmão ao Senhor aprendeu do Senhor que ele próprio estava a caminho, com outro acusador, para outro Juiz; pois aquelas palavras, nos versículos 58-59, foram, como eu as entendo, dirigidas a ele. Então aqui, alguns contam ao nosso Senhor sobre os sofrimentos especiais de certos galileus, como se eles teriam sido mais pecadores do que os outros (João 9:2), e assim eles estavam, da mesma maneira, trazendo seus irmãos ao julgamento. Mas o Senhor também queria que eles soubessem que estavam na mesma condenação e que, se não se arrependessem, todos igualmente pereceriam. (Outros observaram que esse fato pode ter ocorrido em conexão com o partido de Judas, o galileu – Atos 5:37 –, na qual havia galileus que recusavam a autoridade de César e que, portanto, é claro, provocariam Pilatos. Mas os galileus eram súditos de Herodes – Lucas 3:1. Portanto, supôs-se também que essa interferência de Pilatos ocasionou a briga entre ele e Herodes, sobre a qual lemos no capítulo 23:12. Josefo menciona Pilatos matando alguns samaritanos a caminho de seu próprio templo no Monte Gerizim).

Com os mesmos pensamentos sobre o pecado de Israel em Sua mente, estando toda a nação pronta para o julgamento de uma matança mais poderosa do que a dos galileus, o Senhor conta a parábola da figueira estéril.

Esta figueira foi plantada em uma vinha, assim como Israel foi colocado na vinha de Deus, em meio a ordenanças e privilégios, regado e cuidado com toda diligência e zelo; mas sem frutos. Israel não tinha raiz em si mesmo para oferecer algo a Deus; e o ministério de Jesus, o paciente Lavrador desta vinha, agora já havia quase provado isso. Por esse ministério, a bondade de Deus estava levando-os ao arrependimento (Rm 2); isso havia sido como a escavação e adubação desta árvore estéril, mas, com tudo isso, não havia frutos. E então vemos, na próxima pequena cena, que não havia nenhuma percepção em Israel de seu estado real. Os doentes estavam lá, e, portanto, havia necessidade de um médico; mas eles parecem inconscientes disso. Uma filha de Abraão é encontrada enferma, mas os príncipes da casa de Abraão rejeitam com orgulho a assistência do Bom Médico.

Em todo esse caminho, o estado corrompido da nação passa diante da mente do Senhor, e Ele parece proferir pensamentos de acordo com tudo isso, refletindo sobre a grande árvore onde os imundos encontravam seu descanso, e sobre toda a massa que agora sentia o fermento. E nessa mente Ele entra em Sua jornada. Tendo diante de Si o pecado provado e o julgamento vindouro de Israel, Ele segue Seu caminho para a cidade.

Mas aqui deixe-me notar que, em João, o Senhor é visto frequentemente em Jerusalém, pois Jerusalém não tinha caráter mais elevado, na estima do Estrangeiro do céu, do que qualquer outro lugar na Terra. Mas nos outros Evangelhos o Senhor não é visto entrando naquela cidade, que era a sede ordenada de Seu governo como Filho de Davi, até que Ele entra nela, quando Seu ministério estava se encerrando, em estado real, oferecendo o reino à filha de Sião, e quando Ele é total e formalmente rejeitado por ela. Neste Evangelho de Lucas, Sua aproximação gradual à cidade para este propósito é mais distintamente traçada do que em Mateus ou Marcos (veja Lucas 9:51; 13:22, 33; 17:11; 18:31; 19:1, 11, 28). Ele parece demorar, por assim dizer, de estágio em estágio, não querendo apressar a ruína da nação, porque o que aconteceria com Ele ali era para encher a medida de seus pecados e deixá-los para julgamento. Ele estava esperando para ser gracioso, como agora nesta era, a longanimidade de Deus em não enviar Jesus é salvação, não querendo que ninguém pereça. E essa reserva em Seu movimento em direção à cidade me lembra da partida da glória dela em Ezequiel (veja Ezequiel 1-11). A glória ali se demora de estágio em estágio, como relutante em partir, embora a contaminação na cidade não permitisse que ela ficasse. E assim aqui; o Senhor Se demora, da mesma forma, atrasando a hora do julgamento de Jerusalém, em jornada ainda em direção a ela por todo o Evangelho, mas não a alcançando até que Seu ministério estivesse se encerrando.

É com pensamentos fortes e claros em Seu coração que Ele faz essas aproximações à cidade, e a contempla à distância. Em Lucas 9:51, como já observei, Ele seguiu em frente como se Sua jornada O estivesse conduzindo à glória. Em Lucas 18:31, Ele tem a cidade diante d’Ele como o lugar de Seu sofrimento. Mas aqui, em Lucas 13:22, Ele a contempla como se Sua presença ali fosse para encerrar “o dia da salvação” para Israel, e trazer o julgamento de Deus. Era esse pensamento que estava agora em Sua mente. Todas as cenas anteriores deste capítulo, o relato dos galileus, a parábola da figueira, e a hipocrisia dos príncipes na casa de Abraão, com a enfermidade da filha de Abraão, tudo O levou a esses pensamentos enquanto Ele agora Se aproxima da cidade. E pode ser que essa mente estivesse tão expressa em toda a Sua maneira de ser que alguém, ao observá-Lo, como se entendesse um pouco Seus pensamentos, disse: “Senhor, são poucos os que se salvam?”. Este foi, porém, um momento de interesse para nossa alma, e eu gostaria de refletir um pouco sobre ele.

Isso nos sugere que o Senhor tinha um método – perfeito, não preciso dizer, como tudo o mais com Ele – em responder perguntas. Ele nunca visa meramente transmitir informações, como falamos, mas busca afetar o coração ou a consciência. Não é tanto a indagação, mas o inquiridor, com quem Ele trata. Talvez cada caso mostre isso; mas eu o exemplificaria brevemente. Assim: quando perguntado sobre o tempo em que Sua Palavra contra o templo deveria ser cumprida, Ele não responde a isso, mas conduz os pensamentos dos discípulos para assuntos grandes e solenes, selando Suas instruções na alma deles pelas importantes parábolas das dez virgens e dos talentos (Mt 24-25). Em resposta a João, “És Tu Aquele que havia de vir ou esperamos outro?” Ele não diz: “Eu sou Ele, e não precisais procurar outro”, mas mostra aos discípulos de João aqueles objetos que eram adequados para levar a resposta ao coração em poder real e vivo (Mt 11). E aqui: “Senhor, são poucos os que se salvam?” não foi respondido formalmente, mas moralmente, ou de uma tal forma que fosse adequada ao próprio homem, dando-lhe assunto para solene investigação e aplicação próprias.

Um método, podemos certamente dizer, que revela Sua sabedoria e Sua bondade, e que Ele estava de fato tratando com o homem; não exibindo Seus próprios recursos de conhecimento, mas, com sinceridade, buscando e salvando os perdidos. O método do homem é uma coisa pobre. Pois olhe para Jesus em contraste com os homens cultos, ou (como Paulo fala), “os príncipes deste mundo”. Quando lhes perguntaram onde Cristo deveria nascer, eles responderam formalmente – verdadeiramente, de fato, mas formalmente – não buscando despertar a consciência do rei na ocasião assim oferecida a eles (Mateus 2). Mas quando foi perguntado a Jesus de Quem Ele nasceu – “Onde está Teu Pai?” – Sua resposta não chega meramente aos seus ouvidos, mas às suas consciências com todo o sério e solene poder (João 8).

Ele não precisa de nossos elogios, amados; mas deveria ser motivo de alegria para qualquer um de nós refletirmos sobre essas Suas perfeições e admirar Sua beleza. E tenho certeza de que essas reflexões são valiosas hoje em dia. Pois o presente é um tempo em que muitos estão correndo de um lado para o outro, e o conhecimento está aumentando. E isso deve ser um aviso para nossa alma; pois o santo sempre tem que vigiar contra o que é chamado de espírito dos tempos. Paulo, quando ora pelos santos, para que cresçam em conhecimento, primeiro deseja que eles tenham o entendimento espiritual (Ef 1:17-18; Cl 1:9). Pois o mero intelecto não tem valor. É melhor que deixemos nossas investigações de lado, do que segui-las na sagacidade da habilidade humana. E, amados, será inoportuno recorrer ao pensamento de alguém que viveu para Cristo em dias antes dos nossos – que “o desejo de saber muito, mesmo em coisas espirituais, pode ser o testemunho de que na realidade o próprio Deus não é conhecido?” Conhecer a Ele mesmo é vida eterna. E como alguém de nossos dias observou com muito proveito: “O homem natural frequentemente recebe a verdade mais rapidamente do que o santo, porque o santo tem que aprendê-la em sua consciência, tê-la exercitada diante de Deus por aquilo que ele está aprendendo.” Muito necessária é esta admoestação. Podemos nos apressar para ser sábios e cheios de conhecimento nesta era agitada, e a alma ser prejudicada, profundamente prejudicada, ao mesmo tempo. Mas digo isso apenas de passagem.

Nesta resposta do Senhor à pergunta agora colocada a Ele, apreendo que o “porfiar” (ou “esforçar” – ARA) e o “procurar” não são meramente medidas diferentes de intensidade na mesma ação, mas ações moralmente diferentes. O “procurar” vem com o alarme com o “se levantar” do pai de família (ou dono da casa – ARA), e é o medo que desperta; o “porfiar” é uma ação do coração e da consciência diante de Deus, antes que o pai de família tivesse se levantado; uma ação, portanto, não resultante simplesmente do medo de ser deixado de fora. E quantas vezes essa descrição de “procurar” é exibida entre nós. Um alarme repentino despertará afeições religiosas; mas elas só vivem enquanto o perigo passa. Como diz o Senhor pelo profeta: “Ó tu que habitas no Líbano e fazes o teu ninho nos cedros! Quão lastimada serás quando te vierem as dores e os ais como da que está de parto! E te entregarei na mão dos que buscam a tua vida” (Jr 22).

Esta passagem em nosso capítulo é, portanto, uma advertência muito importante para todos. Mas, à medida que o Senhor segue Seu caminho, ainda não é em Si mesmo, nem em Seu sofrimento ou glória, que Ele está pensando, mas em Jerusalém, e seu pecado e seu julgamento. Alguns Lhe falam de Herodes e seus propósitos contra Ele; mas o Senhor simplesmente lhes diz que Herodes e todos os seus propósitos não poderiam prevalecer contra Ele; pois, sem impedimento dele e de tudo o mais, Ele deveria caminhar até chegar a Jerusalém; que, como eminente em privilégio sob Deus, era eminente em maldade contra Ele também; e teve que preencher a medida de sua culpa, matando o último e principal dos profetas. O ódio de Herodes não deveria, portanto, ser considerado, pois Jesus deveria caminhar por sua jurisdição. E assim é, que Jerusalém é o objeto que o bendito Senhor ainda tem em Sua mente, como indicado no versículo 22. E a tudo isso, com o qual Sua alma estava trabalhando dessa forma, Ele dá expressão, dizendo: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes quis Eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e não quiseste? Eis que a vossa casa se vos deixará deserta”. Jerusalém “não quis” (Sl 81:11). O cuidado da galinha foi recusado, mas a raposa já estava dentro; e, portanto, não deve haver nada além de dispersão presente em vez de ajuntamento. Herodes e Roma foram vangloriados, e Deus e Seu Cristo rejeitados. “Por causa do monte de Sião, que está assolado, as raposas andam sobre ele” (JND). E o Filho de Deus tem apenas que deixar Seu monte por enquanto em posse deles, até que, no espírito de arrependimento e fé, o povo O receba de volta e diga: “Bendito O que vem em nome do Senhor”.

(Este Herodes era o quarto filho de Herodes que, em Mateus 2, é chamado de “rei Herodes”. De Lucas 3:1 aprendemos que a Galileia era o cenário de seu governo, como também pode ser extraído desta passagem. Alguns julgaram que ele desejava tirar o Senhor de seus domínios, porque o Senhor tinha um grande e crescente interesse ali, e porque ele O odiava por Sua justiça e Seu testemunho. Não ousando, no entanto, matá-Lo, por causa do povo, ele busca expulsá-Lo, ou amedrontá-Lo. Talvez Herodes quisesse que Ele agisse como alguém medroso, e assim, agisse de forma indigna de Si mesmo; como os inimigos de Neemias procuraram, em seus dias, enredar aquele homem querido e simples. Veja Neemias 6:10-14).

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