Origem: Livro: Os Evangelistas

Lucas 8

Entrando neste capítulo, eu observaria que no caso da pobre pecadora, que encerra o anterior, vemos profunda afeição pessoal como fruto do perdão consciente ou cura; aqui, nesse grupo de mulheres, vemos apego e serviço devotados. Na pobre pecadora, todas as fontes ocultas são abertas ao comando da graça de Cristo. Ela sabia que Ele a havia aceitado, pecadora como era, e isso comandava o coração dela. Isso a deixou sem olhos para o banquete do fariseu, ou sem ouvidos para seu desprezo, pois Jesus a havia afastado de tudo; e chegar perto d’Ele, tão perto quanto o amor, a gratidão e a adoração pudessem trazê-la, era todo o seu interesse. E, ao mesmo comando de Seu amor curador, esse grupo de mulheres se apega a Ele. Elas seguem para servi-Lo. O grato amor se manifestou nela silenciosamente; e nelas esse amor estava ativo. Esse grupo estaria com Ele onde quer que Ele estivesse, para que pudesse dar a Ele tudo o que elas pudessem ministrar-Lhe.

Vários frutos, mas cada um abençoado. E Jesus pode entender tanto um como outro, e receber as lágrimas secretas de uma, e os serviços ativos de outras.

A beleza de ambos os casos seria tristemente manchada, se estes não fossem o fruto da cura consciente. Que afeição, que serviço seria tão puro quanto o que vem daí? O publicano pode bater no peito em culpa consciente, e isso em seu lugar é certamente uma afeição correta e piedosa. Mas como a beleza e a atratividade disso são ofuscadas pelas lágrimas e pelos serviços, o amor e a devoção, que brotam e fluem da aceitação consciente! Nada é tão precioso para Deus, nada tão adorável mesmo em nossos próprios pensamentos, quando consideramos isso por um momento. E, por outro lado, quão triste é quando (em vez de lágrimas e serviços) a satisfação própria, a arrogância, o desprezo e a indiferença pelos outros, ou a mera busca não espiritual de conhecimento e a intensa competição de partidos, marcam o coração e os caminhos. Que todos nós, amados, apreciemos esses padrões simples que o Espírito aqui registra, e que assim encontram a presença aprovadora do Senhor.

Este é o primeiro de uma série de capítulos, nos quais vemos sucessivamente o Senhor, os Doze e os Setenta, saindo para ministrar (veja Lucas 8:1; 9:1; 10:1); e esta exposição estendida do ministério é toda de acordo com a graça do Espírito neste Evangelho. E como uma expressão adicional da mesma graça, nosso evangelista nos diz que o Senhor “andava de cidade em cidade e de aldeia em aldeia”; não deixando nenhum lugar sem a visita de Sua luz e bondade. E este divino Ministro da graça é acompanhado por uma comitiva adequada. Uma companhia que havia sido curada de espíritos malignos e enfermidades, e purificada de demônios, segue-O agora para testemunhar Sua graça; como, em breve, quando Ele vier em poder, Ele terá atrás de Si uma comitiva igualmente adequada daqueles resplandecentes refletindo Sua glória (Ap 19:14).

Lucas então registra a parábola do Semeador, dada a nós também, sabemos, por Mateus e Marcos. Sem dúvida, ela tem o mesmo caráter geral e propósito em cada Evangelho; mas observo que o Senhor aqui não receia citar diretamente o profeta Isaías, para aplicar o julgamento de Deus a Israel; e isso ainda está de acordo com Sua mente em Lucas.

No decorrer deste capítulo, temos o caso dos gadarenos, da mulher com fluxo de sangue e da filha de Jairo, combinados da mesma forma que em Marcos.

Sobre esses e outros atos semelhantes de poder e bondade, podemos observar de modo geral que o ministério do Senhor sempre traz estas duas características: Ele estava sempre julgando o diabo, mas nunca o pecador. Ele continuou apagando os traços do poder destrutivo do primeiro, mas deixando os traços de Seu próprio poder redentor no segundo. Pelo mesmo golpe, Ele fez essas duas coisas. Todo cego que passou a enxergar, todo coxo que passou a andar, igualmente testemunharam o julgamento do poder do inimigo e a bênção do pecador. Quando Ele purificou o leproso, quando Ele ressuscitou os mortos, esse duplo testemunho foi dado. E assim o diabo O encontra apenas para tremer, e o pecador crente apenas para receber uma bênção e tomá-la sempre com boas-vindas. Fosse o que fosse que o Senhor estivesse fazendo, ou aonde quer que estivesse indo, permitiu Ele alguma vez que o necessitado filho do homem se sentisse um intruso? Mesmo Suas repreensões não podem ser chamadas de repreensões. Pois o que eram elas? Elas eram apenas por causa da falta de confiança n’Ele – porque o pecador não vinha com ousadia suficiente. Ele o repreendeu, não por ser muito confiante, mas por não ser confiante o suficiente. Sua linguagem era desta maneira: “Por que temeis, homens de pequena fé?”

Isso não era repreensão. Isso não era repelir o pecador, mas ressentir-Se de sua lentidão e suspeitas. Nada pode ser mais certo, nos caminhos do Filho de Deus na Terra, do que essas coisas, que Ele estava sempre julgando o diabo, mas nunca o pecador. Era como Moisés, que saía e feria um egípcio; mas se ele próprio fosse recusado e insultado por um israelita, ele iria para o exílio, iria para aonde pudesse, sem amigos e sozinho, em vez de tocar em um fio de cabelo da cabeça dele (Êxodo 2). Ou como Sansão, outra figura distinta e honrada, que buscará ocasião contra os filisteus, e até mesmo se afeiçoará a eles, apenas para atormentá-los e empobrecê-los, mas será tão fraco quanto uma criança se os homens de Judá resistirem a ele (Juízes 15:12). Moisés e Sansão tinham força suficiente contra o inimigo, mas nenhuma contra seu próprio povo; como o Filho de Deus julgará o diabo e todas as suas obras, mas dirá dos pecadores: “Eu vim não para julgar”, não “para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las” (Lucas 9:56; João 12:47).

Assim era agora. Gadara era uma porção da terra Judaica ou santificada. Era dentro daquela terra na qual os olhos do Deus do céu e da Terra repousavam desde o princípio até ao fim do ano (Dt 11:12). Mas os imundos há muito haviam entrado naquela terra e a contaminado, e lá os encontramos neste momento em rebanhos, como também a plena demonstração da força desenfreada do inimigo. Legião e porcos estavam em Gadara, para nos dizer o que o lugar da escolha de Jeová havia se tornado agora. Era o próprio palácio do valente, mas o Filho de Deus agora entra como o mais forte, para fazer Sua obra adequada, para mostrar-Se o Redentor do cativo e a destruição do poder da morte.

Mas os criadores dos porcos imundos naquele lugar não estão preparados para isso. Foi uma transgressão para eles, e eles queriam que Jesus partisse de suas terras. Isso é, de fato, terrível. Nada que vemos em toda a história do Evangelho nos dá tal expressão da região entenebrecida e impura de Satanás como esta. Com tal demonstração da graça e poder do Homem Mais Forte no meio deles, ainda assim eles não O desejam, mas venderiam todo o seu interesse no Filho de Deus por um rebanho de porcos. Isso foi muito terrível; e Jesus tem apenas que deixá-los, e retornar atravessando o lago da Galileia, para prosseguir Seu caminho em outras cenas.

Um príncipe Judeu O procura, para que Ele venha à sua casa, em favor de sua pequena filha única, que ali estava morrendo. Ele segue adiante com o propósito de provar a Si mesmo, na casa do Judeu, a ressurreição e a vida; mas Seu caminho para lá é interrompido pela fé de uma desconhecida necessitada, que O toca na multidão. Ela tinha uma enfermidade em seu corpo. Era uma espécie de lepra roedora, uma fonte de impureza em sua própria carne, que nenhuma habilidade humana poderia curar. Em sua extrema necessidade, ela ouve falar sobre Jesus e, com um único toque, recebe tudo o que precisava. Mas ninguém a conhecia, ou se importava em conhecê-la. Tanto ela quanto seu toque no Senhor teriam permanecido em segredo na multidão agitada, somente Aquele que a curou a conhece e a reconhece diante de todos. A multidão estava se aglomerando e pressionando-O; mas não era necessidade ou pecado que os impelia, e, portanto, Ele não os sente. Mas o mais fraco toque dela foi sentido, porque era o toque de alguém conscientemente necessitado e contaminado, que aprendera a crer que havia virtude n’Ele. Sua aflição a apresenta a Ele, e Ele a conhece porque a havia curado. Esse era o fundamento e o caráter de seu conhecimento; e o Filho de Deus e a pecadora curada se encontram assim para ficarem a sós na multidão – ela, uma estranha para todos, menos para Ele, e Ele tratando todos como estranhos, menos ela.

Isso está repleto da mais verdadeira e sólida consolação para nossa alma. Mas, além disso, este caminho do Senhor é todo cheio de significado. Ele nos fala daquele que sabemos ser o caminho e a ação do Filho de Deus. Pois Ele tem diante de Si, à distância, o dia de Seu poder em Israel, a casa do Judeu, quando Ele fará os ossos secos viverem, e chamará Seu povo de seu sono sombrio e longo, como prisioneiros vindos da cova; mas em Sua jornada até lá, ou durante o período presente, a propósito, uma estranha envolve Suas empatias, uma pobre, despercebida (a não ser por Ele mesmo), a quem a necessidade consciente havia colocado em Seu caminho, como a Igreja de Deus, que sozinha ocupa o Filho de Deus, enquanto segue Seu caminho para manifestar Seu poder em ressurreição e vida em Israel no último dia.

Julgo que esse é o caráter do que temos aqui. E assim, este capítulo (que abre com o Senhor indo para Seu ministério) nos dá estas amostras do fruto variado de Seu árduo trabalho tanto na Igreja quanto em Israel; mostrando-nos também, como em Gadara, que mundo era aquele em que Ele veio trabalhar arduamente, para que todo Seu bendito trabalho pudesse fechar em Seu próprio louvor tanto no céu quanto na Terra, a convicção e o julgamento do mundo, e o conforto de cada pecador que apenas confiar n’Ele.

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