Origem: Livro: Breves Meditações

As Manhãs das Escrituras

No curso da Escritura, temos várias estações inaugurais, como posso me expressar, ou manhãs.

A Criação foi uma – mas isso é claro. Aquele foi o dia do nascimento das obras de Deus – a manhã do tempo. E quando, naquela época, foram lançados os fundamentos, “estrelas da alva [manhã – TB] juntas alegremente cantavam”, como lemos no Livro de Jó.

O Êxodo foi mais uma dessas manhãs. Israel, como nação, havia nascido, ou estava em sua primeira infância. “Quando Israel era menino [criança – JND], Eu o amei; e do Egito chamei a Meu filho”, diz o Senhor por meio do profeta Oseias. O ano começou de novo então, como se tivesse nascido de novo. O mês do Êxodo tornou-se o princípio dos meses. Vida dentre os mortos, uma manhã de ressurreição, foi celebrada no cântico de Moisés e da congregação às margens do Mar Vermelho.

O nascimento do Senhor Jesus foi outra. Esse evento surgiu sobre o mundo como a luz da manhã. Uma noite muito longa e sombria a precedeu. Israel era um cativo e estava no pó. Não havia sinais. A voz do último dos profetas havia permanecido em silêncio por séculos. Nenhum Urim ou Tumim, nenhum éfode do sacerdote, estava transmitindo oráculos ou respostas vindas de Deus. Nenhuma glória enchia o templo. Nada distinguia a cidade da paz, o assento favorecido de Deus na Terra, exceto de vez em quando o anjo agitando as águas de Betesda, quando pouco esperado e quase que não acolhido. Mas o nascimento do Senhor Jesus, como a manhã, despertou a criação; e as luzes de muitos outros dias irromperam juntas, para dizer que a longa e escura noite finalmente dera lugar a uma manhã muito brilhante e alegre. Os céus se regozijaram, como os filhos de Deus na criação. Anjos, outrora tão conhecidos em Israel, reapareceram. A graça que agira nos dias inaugurais e patriarcais, novamente se manifestou. Promessas a Abraão e a Davi, que antecipavam o novo nascimento do povo e do reino, são citadas e repetidas. Tudo isso é visto nesta grande ocasião, nesta fresca hora matinal no progresso dos caminhos de Deus. E o Menino nascido em Belém é acolhido pelo vidente de Deus como “a aurora lá do alto” (TB), o nascer do sol ou a manhã. (veja Lucas 1-2).

A ressurreição do Senhor foi mais uma dessas manhãs. Ela surgiu depois da noite mais sombria que já pairou sobre a face da criação.

Mas era luz, e luz de fato. Era a promessa, o prenúncio de um dia eterno. Era a transformação da sombra da morte em manhã. “Quando já despontava o primeiro dia da semana”, quando este grande mistério se revelou – como lemos em Mateus 28.

O reino será mais uma dessas manhãs. Será o dia depois da noite, o dia de Cristo depois da noite do pecado e da morte, o mundo de Cristo depois do mundo dos homens. “Haverá um Justo que domine sobre os homens, que domine no temor de Deus. E será como a luz da manhã, quando sai o Sol, da manhã sem nuvens, quando pelo seu resplendor e pela chuva a erva brota da terra”. Isto está escrito sobre este reino vindouro (2 Samuel 23).

O novo céu e a nova Terra será outra. Será a criação em seu segundo nascimento. “E vi um novo céu, e uma nova terra”, diz o profeta, “Porque já o primeiro céu e a primeira terra passaram”. É chamado de a morada da justiça, o cenário onde “Deus será tudo em todos”.

É doce ver manhã após manhã surgindo assim, à medida que passamos pelas eras que a Escritura assinala.

Mas temos outra visão a contemplar. O homem tem repetidamente transformado a manhã de Deus em sombra da morte. A criação, que surgiu de Deus tão bela e cheia de gozo, rapidamente se transformou num deserto de espinhos e cardos. O solo foi amaldiçoado, pois, em sua hora matinal, havia testemunhado o gozo do Senhor e a bênção do Senhor sobre ela. Israel, que cantou seu cântico de ressurreição às margens do Mar Vermelho, tornou-se cativo nas masmorras da Babilônia, e a terra da glória foi deixada devastada e desolada sob os pés de opressores incircuncisos. O Sol que na manhã de Belém nasceu como a Luz do mundo, e sobre Israel como a promessa de um dia renovado, teve seu poente na noite do Calvário – pois o homem era pecador e O rejeitou. O mesmo bendito Jesus que ressuscitou sobre o mundo e sobre Israel como Vida dentre os mortos, trazendo-nos luz e vida para a eternidade com Ele, agora tem que ver as sombras minguantes e evanescentes do entardecer da Cristandade, que em breve se encerrarão na meia-noite dos juízos apocalípticos. O reino que há de irromper como a luz de “uma manhã sem nuvens” encerrar-se-á na grande apostasia de Gogue e Magogue, no julgamento da morte e do inferno, e de todos os que não estão escritos no livro da vida, e na fuga dos céus e da Terra da face d’Aquele que Se assenta no grande trono branco. A manhã, porém, do novo céu e da nova Terra, Deus manterá para sempre em sua beleza e frescor originais. Não haverá sombras do entardecer da corrupção e revolta do homem, nem noite de julgamento em sua história. Será mantido como o único dia eterno, cujo Sol jamais se porá.

Que visões são estas que se passam diante de nós em visão! O bendito Deus começa repetidamente a lançar Seus fundamentos, como no frescor da manhã, e o homem repetidamente transforma Sua manhã em sombra da morte. Mas Deus não pode habitar nas trevas. Ele não é o Deus dos mortos, mas dos vivos; e, portanto, embora o homem não possa se juntar a Ele na manutenção da luz, mas mergulhar toda a cena nas trevas repetidamente, Ele mesmo realizará Sua própria glória e assegurará Seu próprio gozo, e tendo, no princípio, evocado a luz das trevas na hora da manhã da primeira criação, manterá em eterna beleza a manhã da segunda criação.

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