Origem: Livro: Duas Naturezas

Nascido de Novo

João não fala apenas de vivificação, mas também de novo nascimento. “Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus” (Jo 3:3). O novo nascimento responde, agora não à morte, mas à nossa condição moral diante de Deus. Ele contrasta com a corrupção. É notável que o apóstolo Paulo não fale explicitamente do novo nascimento – das consequências, ele sem dúvida o faz. Pedro e Tiago também falam sobre o novo nascimento; ambos se dirigem a um remanescente fiel entre Israel para quem o novo nascimento foi especialmente significativo. Vivificação e novo nascimento não são eventos diferentes, mas antes, aspectos complementares da mesma obra vivificante de Deus.

O ministério de João trata da natureza de Deus e da família de Deus. João conhecia o Salvador vivo: “O que era desde o princípio, O que vimos com os nossos olhos, O que temos contemplado, e as nossas mãos tocaram da Palavra da vida” (1 Jo 1:1). Foi ele quem se deitou no peito do Senhor (Jo 13:25; 21:20). João também viu “a Sua glória, como a glória do Unigênito do Pai” (Jo 1:14). Era o Filho dando a conhecer o Pai – sem o Filho não poderia haver revelação do pai. “Deus nunca foi visto por alguém. O Filho unigênito, que está no seio do Pai, este O fez conhecer” (Jo 1:18; ver também Jo 14:9). É, portanto, de acordo com o ministério de João que temos o assunto do novo nascimento. Por ele somos trazidos para a mesma família. “Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo é nascido de Deus” (1 Jo 5:1).[10] A vida que agora possuímos como resultado do novo nascimento é bem distinta de nossa vida natural. João, em seu evangelho, apresenta essa vida em Jesus – é um livro de começos. Quando chegamos à primeira epístola de João, no entanto, encontramos que aquilo que era verdadeiro n’Ele, agora está em nós. “Que é verdadeiro n’Ele e em vós” (1 Jo 2:8).
[10] O Unigênito é um título exclusivo do Filho de Deus e não deve ser confundido com o fato de sermos gerado por Deus. Traduções que omitem a palavra unigênito de versículos, tais como: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu único Filho” (Jo 3:16 ESV), falham em reconhecer seu significado. O unigênito não é uma questão de singularidade, mas de posição e caráter: “Abraão ofereceu o seu unigênito (Hb 11:17). Isaque não era o único filho de Abraão, mas era o filho da promessa.

A alma convertida nasce de novo, e não é apenas um novo começo, como Nicodemos erroneamente pensou; a pessoa nasce do alto: “Se o homem não nascer do alto (Jo 3:3 – margem KJV). Para o judeu, há um significado especial nisso. Eles confiaram em seu nascimento natural: “Nós somos descendência de Abraão” (Jo 8:33). O nascimento natural, entretanto, nos dá uma natureza de Adão – aquela natureza corrupta e decaída conhecida como carne. O novo nascimento, por outro lado, é um começo inteiramente novo com um ponto de origem completamente diferente. “Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus (Jo 1:13). A expressão de cima é encontrada uma segunda vez no terceiro capítulo de João: “Aquele que vem de cima é sobre todos, aquele que vem da terra é da terra e fala da terra” (v. 31). Com o novo nascimento, essa vida celestial agora é nossa vida. As esperanças de Israel eram terrenas; o Senhor os estava apresentando às coisas celestiais (Jo 3:12). Essas coisas eram difíceis para o judeu entender, e ouvir que ele deveria nascer de novo era uma afronta à sua herança.

O assunto do novo nascimento não é exclusivo ao Novo Testamento. Isso não deveria ter sido uma doutrina notável para Nicodemos, um mestre em Israel: “Tu és mestre de Israel e não sabes isso?” (Jo 3:10). É notável que o Senhor disse: “Não te maravilhes de te ter dito: Necessário vos é nascer de novo” (Jo 3:7). Vos está no plural – não era apenas Nicodemos que precisava de um novo nascimento, todo o Israel precisava. Israel não vai alcançar benção em terreno natural – terreno no qual eles descansaram. A necessidade da limpeza moral de Israel é dada claramente no Velho Testamento. “Então, espalharei água pura sobre vós, e ficareis purificados; de todas as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificarei. E vos darei um coração novo e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei o coração de pedra da vossa carne e vos darei um coração de carne. E porei dentro de vós o meu Espírito” (Ez 36:25-27).

A água mencionada por João é a Palavra de Deus – como também o é em Ezequiel. A água é figurativa; a água literal nunca pode lavar a imundícia da carne (1 Pe 3:21). O poder purificador da Palavra, porém, é confirmado em outro lugar: “Vós já estais limpos pela palavra que vos tenho falado” (Jo15:3). “Também Cristo amou a igreja e a Si mesmo Se entregou por ela, para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra (Ef 5:25-26). Quando Pedro fala sobre o novo nascimento, a Palavra de Deus é inequivocamente o agente. “Sendo de novo gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível, pela palavra de Deus, viva e que permanece para sempre” (1 Pe1:23). Da mesma forma, Tiago conecta o novo nascimento com a Palavra: “Segundo a Sua vontade, ele nos gerou pela palavra da verdade, para que fôssemos como primícias das Suas criaturas” (Tg 1:18).

Grande parte da Cristandade interpreta o novo nascimento como uma regeneração do espírito humano. Isso equivaleria a nada mais do que uma restauração da natureza decaída. A natureza de um limoeiro é produzir limões; nada vai mudar isso, exceto se cortado. O terrenal só pode gerar o terrenal. “O que é nascido da carne é carne” (Jo 3:6). A carne foi assunto encerrado na cruz; lá ela foi cortada fora: “No qual também estais circuncidados com a circuncisão não feita por mão no despojo do corpo da carne: a circuncisão de Cristo” (Cl 2:11). Para ser perfeitamente claro, a circuncisão aqui fala da cruz – o cortar de Cristo – não de circuncisão literal. Não há restauração da velha natureza. Em vez disso, temos uma nova vida nascida do Espírito por meio da Palavra de Deus. É uma natureza santa, totalmente livre de corrupção. “Qualquer que é nascido de Deus não comete pecado; porque a Sua semente permanece nele; e não pode pecar, porque é nascido de Deus” (1 Jo 3:9).

Antes de prosseguirmos com o assunto do novo nascimento, devemos observar a diferença entre o que foi prometido no Velho Testamento e a vida eterna apresentada no Novo Testamento. Sim, Nicodemos deveria ter entendido a necessidade de um novo nascimento e purificação. Ele não poderia, entretanto, saber da vida eterna.[11] O Senhor lhe diz a este respeito: “Se vos falei de coisas terrestres, e não crestes, como crereis, se vos falar das celestiais?” (Jo 3:12). A vida eterna não é simplesmente uma vida que nunca acaba.[12] A expressão vida eterna reflete o caráter da nova vida que temos por meio de Cristo: “E a vida eterna é esta: que conheçam a Ti só por único Deus verdadeiro e a Jesus Cristo, a quem enviaste (Jo 17:3). A apresentação da vida eterna é especialmente o ministério do apóstolo João. A vida eterna foi manifestada na vida do Senhor Jesus – vemos isso retratado lindamente no Evangelho de João. “Porque a vida foi manifestada, e nós a vimos, e testificamos dela, e vos anunciamos a vida eterna, que estava com o Pai e nos foi manifestada” (1 Jo 1:2). A vida eterna é agora a presente possessão de todos os que creem. Este é o assunto da primeira epístola de João: “Outra vez vos escrevo um mandamento novo, que é verdadeiro Nele e em vós; porque vão passando as trevas, e já a verdadeira luz alumia” (1 Jo 2:8). “Estas coisas vos escrevi, para que saibais que tendes a vida eterna vós que credes no nome do Filho de Deus” (1 Jo 5:13 – JND). Os discípulos dos Evangelhos (com exceção de Judas) eram almas convertidas – eles possuíam uma nova vida: “Ora, vós estais limpos, mas não todos. Porque bem sabia ele quem o havia de trair; por isso, disse: Nem todos estais limpos” (Jo 13:10-11). Não se poderia dizer, entretanto, que eles possuíam a vida eterna. Até a morte de Cristo, as esperanças dos discípulos eram terrenas; Sua morte, é claro, mudou tudo (Lc 24:21). Após a ressurreição de Cristo, Ele “assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo” (Jo 20:22). Assim como com o primeiro Adão (Gn 2:7), neste ato temos a transmissão da vida, mas agora é a vida eterna. É o Espírito de vida em Cristo Jesus transmitido ao crente (Rm 8:2). Cristo, que é um Espírito vivificador, concede vida espiritual a eles de acordo com o poder da ressurreição.[13]
[11] A vida eterna é encontrada no Velho Testamento, mas lá é uma condição milenar e se relaciona com a condição física da vida aqui na terra (Sl 133:3; Dn 12:2).
[12] Todos têm uma existência que nunca termina – tanto os ímpios quanto os redimidos. Há uma grande diferença, entretanto, quanto ao destino das duas classes: “E irão estes para o tormento eterno, mas os justos, para a vida eterna”. (Mt 25:46).
[13] J. N. Darby, Synopsis of the Books of the Bible, John 20

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