Origem: Livro: Breves Meditações

Neemias 8

Este capítulo ensina e ilustra uma verdade que permeia o livro de Deus e da qual depende nossa salvação: a graça prevalece; a obra de Deus, por meio do sangue de Cristo, sobre a obra de Satanás, sobre o pecado e a morte; o evangelho da paz, sobre todos os terrores e acusações da consciência.

Assim foi na história e na experiência de Adão. Ele se arruinou a si mesmo e se retirou da presença de Deus, um pecador; mas a voz da misericórdia, revelando o mistério da Semente da mulher, ferida e que feriria, o seguiu até sua distância culpada e o atraiu de volta a Deus em paz e segurança.

O fim de toda a carne veio novamente diante de Deus nos dias de Noé. Mas a arca que Deus havia prescrito, e que a fé havia adotado, flutuou acima das águas do dilúvio.

O juízo entrou na terra do Egito, tendo título sobre todas as casas ali, tanto as dos israelitas quanto as dos egípcios. Mas o sangue na verga da porta, que a graça havia prescrito e que a fé havia usado, protegeu a casa que assim havia sido admitida no segredo de Deus.

Os trovões do Sinai fizeram todo o exército tremer. Nem mesmo Moisés pôde permanecer diante deles. Ele tremeu e temeu profundamente. Não pôde permanecer ali mais do que o mais fraco israelita. Mas ele foi levado acima do lugar dos trovões, para o lugar onde Cristo lhe foi revelado nas sombras das boas coisas que viriam, e lá estava ele com o rosto descoberto.

Depois disso, o juízo entra em Canaã, como antes havia entrado no Egito. Mas a graça novamente prescreveu o que a fé novamente usou; o cordão escarlate foi então amarrado, pois o sangue havia sido aspergido, e o juízo passou adiante.

O mesmo padrão se repetiu, de certa forma, durante toda a época de Israel; pois durante aquela era, mosaica, legal ou condicional como era, havia ordenanças que revelavam a verdade antiga, a verdade que havia sido ensinada desde o princípio. O templo então anulou o sábado; isto é, o sacerdote realizava os assuntos do templo no dia de sábado; em outras palavras, o serviço da graça prevalecia sobre as exigências da lei (Mateus 12).

No devido tempo, o evangelho vem para revelar esta grande e mais antiga verdade em toda a sua glória, pois este é o evangelho no sangue de Jesus: “A graça reina triunfante”[18]. Ela reina, por meio da justiça, para a vida eterna, por Jesus Cristo, nosso Senhor.
[18] N. do T.: Uma linha de um hino escrito em 1844.

Este belo oitavo capítulo de Neemias tem uma ilustração vívida desta mesma verdade, que, como vemos, permeia, e posso acrescentar, necessariamente permeia, o Livro de Deus.

A lei foi lida na presença da congregação de Israel em Jerusalém, no primeiro dia do sétimo mês. Esse dia era o dia místico ou figurativo do reavivamento, o dia do toque das trombetas e da Lua nova (veja Levítico 23; Salmo 81).

O povo que ouve a lei em um dia como esse é ordenado por aqueles que então se assentaram na cadeira de Moisés a deixar que suas mentes sejam formadas pelo dia, e não pela lei. Isto é, eles foram instruídos a não se lamentar, mas a se alegrar. Muito certo que lamentassem, se ouvissem apenas a lei, mas, ouvindo-a em um dia como o primeiro dia do sétimo mês, eles a ouviram como na presença da graça, da vivificação e da salvação de Deus, e seu lugar e dever é ter sua alma formada pela graça. Certo, digo novamente, é necessário que estejamos com o coração quebrantado no sentido do nosso pecado e da nossa ruína, e sob a audição da lei; mas quando a cura de Deus nos visita, devemos aprender o gozo que a cura transmite e ter nossa mente moldada adequadamente. Se a lei e o primeiro dia do sétimo mês coincidem como aqui – se o serviço do templo e o sábado estiverem em conflito – a reivindicação da lei deve dar lugar àquela do dia místico, e o sábado deve ceder lugar ao templo – como aprendemos em Mateus 12:5.

Podemos nos lembrar de nossa condição de pecadores, mas devemos desfrutar de nossa condição de salvos (Efésios 2:11-18).

Tendas eram feitas na festa dos tabernáculos. Mas eram apenas lembranças, a fim de aumentar o gozo presente das tribos do Senhor, nas cidades, vilas e terras de sua possessão, dizendo-lhes, como tais tendas faziam, que eles haviam atravessado um deserto. O mesmo acontece na ordenança da cesta das primícias. Que seu pai havia sido um “arameu, prestes a perecer” deveria, por ocasião dessa ordenança, ser lembrado pelo israelita; mas sua cesta bem cheia estava naquele momento em sua mão e sob seu olhar, para que ele pudesse adorar no sentido de uma boa herança presente (Veja Lv 23:33-43; Dt 26:1-11).

E aqui, neste belo capítulo, a lei, com razão, fez o povo se lamentar – mas, como o dia em que foi lida para eles era o primeiro dia do sétimo mês, o luto sob a lei deve dar lugar ao gozo. Sim, e mais do que isso. Ele deve agora formar a mente e o caráter do povo.

E é bendito ver a graça formando o caráter (Veja Tito 2:11-14). Podemos vê-la fazendo isso em cada um dos casos que observei.

O que, deixe-me perguntar, moldou o caráter de Adão, como vemos ele e sua companhia em Gênesis 4? Foi a redenção que ele havia aprendido. Ele é visto ali como um estrangeiro na Terra e um adorador de Deus.

O que moldou o caráter de Noé na arca? A libertação que ele estava então provando. Não o encontramos, com o espírito de medo, com a mente inquieta, manuseando as tábuas de madeira de sua casa, para verificar se elas estavam impedindo a entrada das águas; mas o vemos abrindo as janelas para dar uma olhada lá fora, na expectativa do novo mundo.

O que moldou o caráter de Israel na noite pascal do Egito? Eles estavam se alimentando do cordeiro cujo sangue, naquele momento, os abrigava. Faziam isso com liberdade de coração, sem pensar ansiosamente na cena lá fora, ou se o anjo havia de fato passado por sua porta.

O que conferiu personalidade a Moisés quando ele estava com Deus acima e além do fogo do Sinai? Ele estava lá, com o rosto descoberto, à vontade, como com o Senhor.

O que deu a Raabe o seu caráter depois de ter pendurado o cordão escarlate? Ela conseguiu que o máximo de pessoas possível se submetesse à salvação, desejosa de compartilhar sua própria bênção, tão segura e tão desfrutada.

E o que caracteriza a congregação de Neemias aqui, assim que descobrem o mistério do primeiro dia do sétimo mês? Eles enviam porções aos outros, comem a gordura e bebem a doçura eles mesmos, e aprendem a lição da glória, estando agora na salvação da graça.

E agora pergunto ainda: O que deve dar ao crente seu caráter, o que deve formar sua mente e sua experiência? Certamente, a consciência de ser vivificado, salvo e aceito. Ele deve se ver a si mesmo trazido para perto pelo sangue de Cristo; embora possa se lembrar de que era um gentio, um pecador, incircunciso, distante, sem Deus, sem esperança, um filho da ira como os outros. A alegria do Senhor deve ser sua força, como foi a de Israel nos dias de Neemias 8 – uma força que o livrará do egoísmo e do amor ao mundo em sua vaidade e cobiça, levando-o com grandeza de coração, como fez Israel então, a buscar fazer os outros tão felizes quanto ele mesmo, e a esperar pela glória, ou a festa celestial dos tabernáculos.

Pois, assim como o evangelho prevalece sobre a lei no progresso das dispensações de Deus, assim ele também deve prevalecer no coração e na consciência do povo de Deus. Muitos de nós podemos ser fracos, impedidos pela natureza e por Satanás, e o bom Senhor sabe como confortar os fracos e amparar os débeis, mas ainda assim devemos reconhecer que isto de que falamos é o Seu caminho, e reconhecê-lo também como o que deveria ser o nosso caminho.

Deus deve ser apreendido por nós em graça. Devemos conhecê-Lo como amor e encontrar nossa morada n’Ele, sob o título do sacrifício que Ele mesmo realizou em Jesus. A lei pode ter nos ensinado a tratá-Lo como Justo e a considerá-Lo como um Juiz – e Ele é tudo isso, é verdade; pois todas as glórias Lhe pertencem, seja de poder ou de santidade, seja de majestade ou de verdade, e de tudo o mais; mas o evangelho nos ensina a conhecê-Lo igualmente em graça, nos dá comunhão com Ele como Salvador e forma nosso caráter de acordo com isso.

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