Origem: Livro: Breves Meditações

A Obediência da Fé

Apreciamos profundamente e com justiça nossa Versão Autorizada (King James), mas alterações são às vezes bem-vindas – como neste versículo, que deveria ser: “Pelo qual recebemos a graça e o apostolado, para a obediência da fé entre todas as gentes”.

Poderíamos julgar religiosamente que nada poderia ser mais aceitável a Deus do que os serviços de amor. Deveríamos estar prontos a admitir que a mera conformidade com a lei ou a observância de mandamentos não seriam suficientes para Ele; mas, ao mesmo tempo, deveríamos sentir que os serviços e as demonstrações de amor devem ser suficientes.

Nisso, porém, estaríamos errando gravemente. O serviço de amor não é o objetivo. É “a obediência da fé” (como diz Romanos 1:5) que se espera de nós, pecadores.

Devemos lembrar disso para Sua glória e nosso conforto.

Temos uma breve indicação disso em Lucas 7. A pecadora da cidade ali apresentada era alguém que amava fervorosamente o Senhor. Em sua estima, nada era demasiado bom para Ele – ela entregou a Ele os tesouros de sua casa e a si mesma. Ele valorizava e apreciava seu amor. Certamente apreciava. E Ele reconheceu a fé dela no final, quando veio despedi-la: “A tua fé te salvou”, disse-lhe Ele: “Vai em paz”.

Assim, em João 11, o Senhor está presente no meio dos afetos mais queridos. A cena se passa em Betânia, o lugar mais querido para Ele na face da Terra, o lugar que então havia superado Jerusalém em Seus afetos, pois Ele estava lidando pessoalmente, e não dispensacionalmente, com os materiais[19] ao Seu redor. Mas mesmo ali, Ele exercita aqueles que O amavam à fé n’Ele. Ele queria que eles apreendessem a Sua glória, a Sua glória por eles, e não podia descansar no amor deles por Ele.
[19] N. do T.: As pessoas que estavam ali.

E essa mesma mente é expressa de forma ainda mais vívida e ampla nas cenas que testemunhamos após Sua ressurreição.

O amor levou as mulheres ao sepulcro em Lucas 24, mas o anjo as repreende por falta de fé. Os discípulos a caminho de Emaús estavam tristes. Eles haviam perdido, como julgavam, a esperança e Aquele a Quem amavam. Mas o Senhor agora, como Seu anjo antes, repreende essa falta de fé. E assim também a companhia em Jerusalém, no mesmo capítulo. Amando-O, como realmente O amavam, o Senhor os conduz à no fato e no significado de Sua ressurreição.

Assim, em João 21, Madalena está sozinha no sepulcro, em profunda, pessoal e fervorosa afeição. Mas o Senhor não está satisfeito. Ele valoriza isso, tenho certeza; mas ela precisa conhecê-Lo melhor, apreendendo-O pela fé, bem como prestar-Lhe esses fervorosos serviços de amor. Ele mesmo, portanto, Se revela a ela como ressuscitado, e como ressuscitado por amor aos Seus irmãos. Ou seja, ela precisa conhecê-Lo em Sua graça e serviço, e não a si mesma e ao seu amor. Ela precisa ter fé no Seu perfeito amor pelos Seus, e não meramente estar trazendo o fruto do seu amor a Ele. Assim, no mesmo capítulo, os discípulos na cidade se alegraram ao vê-Lo – alegres porque O amavam. Mas Ele Se propõe imediatamente a instruí-los sobre Sua ressurreição e os resultados dela, os resultados dela para eles mesmos e para outros pecadores. Ele lhes fala de “vida” e “paz” e então, até o final do capítulo, desafia a fé.

Isto é verdade, tenho plena certeza. Mas eu não gostaria, nem poderia, deixar de acrescentar que todos esses exemplos são abundantes para nos mostrar que essas afeições e serviços são preciosos a Ele. O coração de Jesus podia valorizar um amor ignorante. E Ele demonstra isso por aqueles exemplos que tenho observado. “Sinais ou provas serão dados à dúvida do amor, embora negados à dúvida da indiferença” – como alguém disse. Verdade de fato. Esta mulher amorosa e outras receberão sinais para dissipar sua incredulidade, bem como repreensões por sua incredulidade; e isso nos dirá que Ele prezava o amor delas, embora não pudesse Se satisfazer com ele.

Quão verdadeiramente aceitável é tudo isso ao nosso coração! Deleitamo-nos em pensar que o Senhor valoriza assim os movimentos frágeis e ignorantes do coração em direção a Ele, e nos faz saber como Ele responde a isso, tanto em Sua graça como em Sua gentileza. Mas certamente podemos sentir igual deleite ao pensar que, embora Ele valorize nosso amor por Ele, Ele deseja nos familiarizar com Seu amor por nós. É preciso ter fé – aquele princípio que confia n’Ele como um Doador, aquele princípio que O torna um Objeto no lugar e na atividade da graça, que O reconhece no amor que nos serve, e não no trono que nos impõe; que entende este feliz segredo divino, que Deus achou, quanto a Si mesmo, “Mais bem-aventurada coisa é dar do que receber”.

E o propósito da Epístola aos Romanos, pelo menos em sua parte doutrinária, é apresentar as excelências e maravilhas da fé. É da fé que ela nos fala, da fé de um pecador, aquilo que ela apreende como seu objeto; e então, aquilo que ela alcança e desfruta como sua herança.

O capítulo 11 do livro de Hebreus celebra a fé como o princípio pelo qual um santo realiza seus serviços e suas vitórias em meio às circunstâncias da vida no mundo. É a fé que ali é apresentada em suas excelências; mas é a fé nos santos, nos anciãos, como os santos dos tempos antigos são chamados. Mas na Epístola aos Romanos é a fé no pecador que é apresentada, não celebrada em seus serviços e vitórias, ou como aquele princípio secreto da alma, pelo qual os santos obtiveram um bom testemunho, mas o segredo na alma de um pecador que apreende objetos maravilhosos e alcança uma bem-aventurança maravilhosa. A fé dos santos será recompensada: a fé dos pecadores cantará para sempre. Ali é declarado que devemos contemplar o Cristo de Deus, entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitado para nossa justificação. Que objetos maravilhosos são ali apresentados aos seus olhos e à sua aceitação! Nada menos do que os fatos mais estupendos que jamais poderiam ter ocorrido na vasta, vastíssima extensão da própria criação; que Deus entregaria Seu próprio Filho para morrer pelos pecadores, e então O ressuscitaria dos mortos, para a justificação de todos que O recebessem!

O sangue sobre o propiciatório, ou propiciação, é apresentado à visão da fé – o grande e bendito mistério de que Deus agora é Justo ao justificar o ímpio.

Que objetos tão grandes, excelentes e maravilhosos como estes podem encher o olhar! E estes são os objetos apresentados aos olhos da fé dos pecadores (Rm 3-4).

E se os objetos da fé são assim excelentes e maravilhosos na mais alta ordem de excelências e maravilhas, assim também o são suas realizações ou as coisas que ela alcança e das quais se apropria, de acordo também com o ensinamento desta Epístola.

“A justiça de Deus” é sua propriedade. O pecador crente a possui imediatamente. Essa justiça constitui imediatamente, por assim dizer, sua pessoa. Faz dele o que ele é. Ela o veste. Ela o coloca em sua devida forma e personalidade diante de Deus. E quem, dentre Suas criaturas, pode ser mais excelente do que aquele que brilha diante d’Ele como Sua própria justiça? Somos feitos “justiça de Deus”.

E assim como esta é a possessão presente do pecador crente, como isso forma a sua pessoa, ou como ele será para sempre o que é agora, assim também “a glória de Deus” é a sua herança, na esperança da qual ele agora caminha dia após dia. E se a pessoa for excelente, o que diremos desta condição? Se nada mais elevado poderia me formar para o olhar de Deus do que a Sua própria justiça, o que poderia me elevar em meu estado e circunstâncias ao redor d’Ele do que a Sua própria glória? (Rm 3; 5)

Acaso não alcançamos, portanto, as condições mais maravilhosas e não alcançamos os objetos mais maravilhosos? De fato, assim é. Olhamos para o Filho de Deus na morte e ressurreição por nós, como entregue e ressuscitado para nossa bênção. Esses são os nossos objetos. E então, brilhamos pessoalmente na justiça de Deus e reivindicamos a glória de Deus como nossa propriedade e herança. Essas são as nossas conquistas ou possessões.

O que poderia ter sido feito além do que já foi feito? Se a obediência da fé é exigida, ela é incentivada além de tudo o que o coração do homem poderia ter concebido.

Mas devo acrescentar isto: Aquele que reivindica nossa confiança como pecadores, a Si mesmo Se conferiu o direito a ela. E este é o segredo mais bendito da Escritura. Ele exige nossa fé em Cristo e isso na redenção que Ele realizou por nós; e isso nos revela Seu direito divino a isso, o qual Ele reivindica.

A Epístola aos Hebreus é, por assim dizer, o testemunho final e coroador disso. Devo dizer que ela sela, e sela para sempre, sela com um selo que jamais poderá ser questionado ou apagado, o título d’Aquele Bendito à fé que Ele reivindica!

Em um aspecto, essa Epístola pode ser chamada de “aceitação de Cristo por Deus”. Ela expõe esse fato, estabelecendo-o na boca das mais sublimes testemunhas.

Outros testemunhos já haviam sido dados sobre o mesmo bendito mistério. Eu sei disso. O véu rasgado, no momento da morte, testificou a aceitação de Cristo por Deus. Então, a ressurreição, como um testemunho mais público, deu evidência do mesmo. E então, o dom e a presença do Espírito Santo aqui, fruto da ascensão e glória de Jesus, vêm à sua maneira e no seu tempo, para contar a mesma grande verdade. De modo que, na boca dessas três sublimes testemunhas, o véu rasgado, a ressurreição e a presença do Espírito Santo aqui embaixo, o fato é estabelecido: Cristo foi aceito, e aceito por nós.

Mas então, depois de tudo isso, vem esta Epístola para nos prestar o mesmo serviço, de uma maneira ainda mais ampla. Nesse escrito, o Espírito abre os céus; e os céus assim abertos tornam-se o testemunho supremo do mesmo grande fato. Porque nos mostra o céu como o assento do ascendido. Jesus ascendeu e assentou-Se ali em tais caracteres que se adequam e atendem às nossas necessidades.

Ela nos mostra Jesus ali como o Purificador “dos nossos pecados”; como o “Apóstolo e Sumo Sacerdote da nossa confissão”; como “o Mediador de uma nova aliança” (TB); “o Autor e Consumador da fé”; e cada um e todos esses caracteres nos falam da aceitação de Cristo por Deus por nós.

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