Origem: Livro: A EPÍSTOLA DE PAULO AOS ROMANOS

Os Três Principais Elementos do Evangelho

Cap.1:16-18 – Chegamos agora a outro grande assunto a respeito do evangelho – seu conteúdo. Isso pode ser resumido em três temas – “o poder de Deus”, “a justiça de Deus” e a “ira de Deus”.

Antes de delinear essas três coisas, Paulo diz: “Porque não me envergonho do evangelho”. Embora seja verdade que nunca devemos nos envergonhar de sermos publicamente identificados com Cristo neste mundo, isso não é exatamente o que Paulo está dizendo aqui. Seu ponto é que o pregador deste grande evangelho nunca precisa se envergonhar do que anuncia, porque o Senhor Jesus Cristo é melhor do que o pregador possa declarar. Às vezes, quando uma pessoa apresenta algo que quer que os outros aceitem, ela pode entusiasticamente exagerar as qualidades da coisa, e quando a outra pessoa a aceita descobre que tal coisa não é tão boa quanto foi declarada. Mas isso nunca acontecerá ao apresentar-se o evangelho. O pregador não precisa temer que o destinatário da mensagem se desaponte, porque Cristo e as bênçãos prometidas no evangelho nunca serão exageradas.

O PODER DE DEUS (v. 16) 

Primeiramente, “poder de Deus para salvação” tem a ver com o quê o evangelho pode fazer pelo pecador que crê. Aqueles que creem em sua mensagem e recebem a Cristo como seu Salvador, experimentam o poder de Deus na salvação. O evangelho que Paulo pregou era algo muito pleno e completo. Promete libertação (“salvação”) da pena dos pecados, libertação do poder do pecado operando no crente e, por fim, quando o Senhor vier, libertação da presença do pecado por completo, ao ser levado para o céu. (Salvação e libertação nos escritos de Paulo são a mesma coisa.)

Satanás não é obstáculo para o grandioso “poder de Deus” agindo para salvar os pecadores que creem. Quando o evangelho é recebido, o crente é então liberto das garras de Satanás (sendo seus cativos) e é trasladado para o reino do Filho de Deus (Lc 11:22; At 26:18; Cl 1:13). O pecado também não é obstáculo para o poder de Deus no evangelho. Uma pessoa pode ser escrava de algum vício pecaminoso, mas o poder de Deus pode livrá-la disso (Rm 8:2). Além disso, o mundo, com suas atrações e envolvimentos, não pode impedir que o poder de Deus trabalhe para libertar dele o crente (Gl 1:4). Assim, todas as barreiras à bênção do homem são destruídas pelo poder de Deus quando um pecador recebe o Senhor Jesus Cristo como seu Salvador.

“Salvos” e “Salvação” 

Neste versículo (16), chegamos à primeira referência à “salvação” na epístola. Muitos Cristãos não estão cientes de que a salvação é um assunto amplo na Palavra de Deus, tendo muitos aspectos e aplicações. Eles se regozijam no fato de terem sido salvos da pena de seus pecados por meio da fé em Cristo, e em sua simplicidade imaginam que em todo lugar onde “salvos” ou “salvação” são mencionados nas Escrituras, está se referindo a esse aspecto eterno. No entanto, isso é um engano que certamente levará à várias ideias erradas. O Sr. Kelly, de fato, aponta que o aspecto eterno da salvação da pena de nossos pecados geralmente não é o que está em vista na maioria das passagens que falam da salvação! (Lectures on Philippians, pág. 43; Lectures Introductory to the Study of the Minor Prophets, pág. 379) Faríamos bem em deixar que essa afirmação penetrasse profundamente em nossas mentes. Isso significa que quando nos deparamos com as palavras “salvo” e “salvação” em nossas Bíblias, provavelmente não está se referindo à libertação da pena de nossos pecados! Dito isto, a salvação neste versículo 16 é o aspecto eterno da salvação da pena de nossos pecados.

Paulo acrescenta que o evangelho é para “todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego”. Isso mostra que o evangelho não tem fronteiras raciais; é para “todos”. Não importa se uma pessoa é – como as crianças da Escola Dominical cantam – “Vermelho ou amarelo, negro ou branco, todos são preciosos à Sua vista”. A única condição ligada ao evangelho é que a pessoa tem de crer nele. O evangelho não tem poder para aqueles que confiam na circuncisão para a salvação, ou para aqueles que estão tentando guardar a Lei para a salvação, ou para aqueles que confiam no batismo e na frequência à igreja para a salvação, etc. – seu poder é somente para aqueles que creem em sua mensagem a respeito do Senhor Jesus Cristo.

A Bíblia indica que as bênçãos do evangelho não serão possuídas por todas as pessoas na raça humana, porque “a fé não é de todos” (2 Ts 3:2). É triste dizer que há muitos que, depois de ouvirem o evangelho, escolhem não crer nele. Nós só podemos orar por tais para que mudem de ideia antes que seja tarde demais. O comentário de Paulo: “primeiro do judeu, e também do grego” é uma referência à ordem histórica por onde se iniciou o evangelho; não é uma prioridade das pessoas (Veja At 15:11).

Note também: Paulo não diz que esta mensagem de boas-novas é enviada aos anjos. O evangelho, que promete a salvação, não é para essa classe de seres. O anjo que veio aos pastores em Belém para lhes contar sobre o nascimento do Senhor Jesus fez referência a esse fato. Ele disse: “Pois, na cidade de Davi, vos nasceu hoje o Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Lc 2:11). Ele não disse: “Nos nasceu hoje…”. Os anjos eleitos não pecaram e, portanto, não precisam da graça redentora, e não há misericórdia para os anjos que caíram (Mt 25:41).

A mensagem do evangelho não é para anjos, nem é levada por anjos. Deus não enviou anjos para pregar o evangelho da Sua graça. Ele queria apenas que homens redimidos levassem essa mensagem a outros – isto é, pessoas que experimentaram pessoalmente seu poder, amor e graça. Assim, ela seria comunicada a outros, não apenas como fatos e conhecimento, mas como algo que teve um efeito pessoal sobre o portador das boas-novas, em relação à bênção de sua própria alma. O velho ditado é: “O que vem do coração (de uma pessoa) vai para o coração (de outra pessoa)”. Um anjo não pode transmitir isso, pois ele nunca experimentou essa graça.

Este fato é visto no relato da salvação de Cornélio (At 10). Ele precisava ouvir as palavras pelas quais ele e sua casa poderiam ser “salvos” (At 11:14). Um anjo apareceu e disse-lhe o que fazer; ele deveria mandar chamar um homem de nome Pedro, que lhe diria como ser salvo. Deus poderia ter mandado o anjo falar-lhe do evangelho e, assim, poupar os homens que iam encontrar Pedro, do problema de fazer a viagem de 64 quilômetros de Cesareia até Jope. Além disso, teria poupado Pedro do trabalho de ir até Cesareia. Mas o anjo não faria isso, porque levar a mensagem da graça redentora não é para os anjos.

A JUSTIÇA DE DEUS (v. 17) 

Em segundo lugar, o evangelho revela “a justiça de Deus”. Isso tem a ver com como Deus é capaz de salvar os pecadores sem comprometer o que Ele é em Si mesmo. A justiça de Deus diz respeito a Deus agindo em amor para salvar pecadores e, ao mesmo tempo, não abrindo mão do que Ele é como um Deus santo e justo.

O pecado do homem aparentemente colocou Deus em um dilema. Visto que “Deus é amor” (1 Jo 4:9), Sua própria natureza reivindica a bênção do homem, pois Ele ama todos os homens (Jo 3:16). Mas, ao mesmo tempo, “Deus é luz” (1 Jo 1:5), e assim Sua natureza santa exige, com justiça, que o homem seja julgado por seus pecados (Hb 2:2). Se Deus agisse de acordo com Seu coração de amor e trouxesse homens para a bênção sem tratar dos seus pecados, Ele deixaria de ser santo e justo. Por outro lado, se Deus agisse de acordo com Sua natureza santa e julgasse os homens de acordo com as reivindicações da justiça divina, todos os homens seriam, com justiça, enviados para o inferno, e ninguém seria salvo – e o amor de Deus permaneceria desconhecido. Como então Deus pode salvar os homens e ainda permanecer justo? É isso que o evangelho anuncia. Ele declara a justiça de Deus e revela as boas-novas de que Ele encontrou uma maneira de satisfazer Suas santas reivindicações contra o pecado, e também de alcançar em amor para salvar os pecadores que creem. Assim, Deus é apresentado no evangelho como sendo “Justo e Justificador daquele que tem fé em Jesus” (cap. 3:26). (A justiça de Deus será explicada com mais detalhes em nossos comentários do capítulo 3:21-31).

Paulo diz que as bênçãos do evangelho são possuídas “no princípio de fé, para a fé” (JND). Isto é, a salvação do começo ao fim é algo que só é recebido por fé. Isso exclui completamente o princípio de obras. O capítulo 4:5 confirma isso. Ele diz que “àquele que não pratica, mas crê naqu’Ele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça”. Também, Efésios 2:8-9 diz: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie”. Paulo cita Habacuque 2:4 para mostrar que bênção pelo princípio de fé não é algo novo. Os “justos” em todas as épocas anteriores foram abençoados apenas sob esse princípio. Hebreus 11 atesta esse fato.

A IRA DE DEUS (v. 18) 

Em terceiro lugar, o evangelho revela a verdade sobre “a ira de Deus”. Isso tem a ver com o porquê de os homens precisarem crer nas boas-novas de Deus. A resposta simples é que se uma pessoa não receber o Senhor Jesus Cristo (o divino Emissário do pecado) como seu Salvador, então terá de suportar o juízo de seus próprios pecados, porque os pecados devem ser tratados com justiça. Para Deus, passar indefinidamente sobre o pecado, seria uma negação do que Ele é na essência do Seu ser como um Deus santo e justo. A ira de Deus, portanto, será manifestada “sobre toda a impiedade e injustiça dos homens, que detêm a verdade em injustiça”. Esse fato agora é “revelado do céu” (JND) no evangelho. A pena eterna não foi anunciada no Velho Testamento. O Senhor Jesus anunciou isto a primeira vez em Seu ministério público (Mt 5:22, etc.), e este fato solene é anunciado no evangelho.

Embora a ira de Deus tenha sido “revelada”, ela ainda não foi executada. Enquanto isso, antes que o juízo seja derramado, Deus está agindo em paciente misericórdia para com os pecadores, chamando-os para virem a Cristo para a salvação. Assim, a misericórdia, de um modo geral, foi mostrada a toda a humanidade (Rm 11:32), mas a pessoa que recebe a Cristo como seu Salvador experimenta a misericórdia especial de Deus (1 Tm 1:13; Tt 3:5).

Misericórdia é não receber o que merecemos. Certamente merecemos ser julgados por nossos pecados, mas Deus graciosamente exerce Sua misericórdia sobre aqueles que creem e os livra do julgamento, porque Ele tem um resgate (um pagamento integral) na obra consumada de Cristo na cruz (Jó 33:24; Mt 20:28, 1 Tm 2:6). Graça, por outro lado, é receber o que não merecemos. O crente recebe a salvação e as muitas bênçãos espirituais que certamente não merece, mas tal é o coração doador de Deus (Ef 1:3).

Por isso, as proclamações de avisos sobre o juízo vindouro são tornadas conhecidas no evangelho. É dito às pessoas que a cruz não mudou a mente de Deus sobre o pecado; ele tem que ser julgado. Desse modo, o evangelho revela o fato solene da ira de Deus contra o pecado.

Assim, nesses versículos introdutórios (1-17), Paulo apresentou uma cadeia de importantes fatos sobre o evangelho que todos precisamos entender. Ele mencionou:

  • A fonte do evangelho – Ele é “de Deus” (v. 1).
  • O assunto do evangelho – Diz respeito a “Seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor” (v. 3 – KJV).
  • O alcance do evangelho – Ele é para todas as pessoas de “todas as nações” (v. 5 – TB).
  • O conteúdo do evangelho – Ele anuncia “o poder de Deus”, que tem a ver com o que Deus pode fazer pelos pecadores que creem; “a justiça de Deus”, que tem a ver com como Deus é capaz de salvar os pecadores sem comprometer Sua santidade; e “a ira de Deus”, que explica porque os pecadores precisam crer no evangelho – a justiça divina exige que o pecado seja julgado (vs. 16-18).
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