Origem: Livro: DISCIPLINA CRISTÃ

O poder de ligar e desligar

As palavras “ligar” e “desligar” significam poder em ambos os sentidos. Tanto a carne religiosa quanto a natural amam o poder e a autoridade, e cada uma delas às vezes os usa “com vingança”.

A quem pertence por direito o poder de “ligar”? Todo crente concordará comigo ao dizer: Àquele que “amarrou o valente e despojou-o dos seus bens”. E quem tem o poder de “desligar”? Somente Ele disse àquela filha de Abraão a quem Satanás amarrou durante dezoito anos: “Mulher, estás livre da tua enfermidade e logo se endireitou e glorificava a Deus”. Aquele que chamou Lázaro da morte e da corrupção para a vida e disse: “Desligai-o e deixai-o ir”; Aquele “ao Qual Deus ressuscitou, desatando [desligando – JND] os laços da morte; porque não era possível que fosse por ela” (TB) – somente a Ele pertence por direito o poder de “ligar” e “desligar”. Se Lhe agradou, durante a Sua ausência desta Terra, delegar parte dos Seus poderes aos Seus apóstolos e discípulos ou à Igreja, quem contestaria o Seu direito de fazê-lo? Mas somente Ele é e continua sendo a fonte de todo poder e autoridade. Aquele que os deu pode retirá-los novamente, e assim o fez, onde esse poder e autoridade foram abusados por despenseiros infiéis e falsos pastores ou pela indiferença de Laodicéia quanto ao seu próprio engrandecimento e enriquecimento e a opressão do rebanho de Cristo.

“Àquele que tem se dará, e terá em abundância; mas aquele que não tem, até aquilo que tem (ou, como diz o Evangelho de Lucas, “o que parece ter”) lhe será tirado”.

Vamos considerar agora:

  1. Qual é o caráter e o propósito do poder de “ligar” e “desligar”?
  2. A quem ele foi dado?
  3. Para que tempo ele foi dado?

1. Seu caráter e propósito. 

O primeiro é indicado pelas próprias palavras. “Ligar” alguém significa tirar-lhe a liberdade. “Desligar” alguém significa devolver-lhe a liberdade. Pelo pecado, o homem tornou-se escravo de Satanás, preso pelos grilhões do pecado. Pela fé e regeneração ele é libertado daquela terrível escravidão e se torna, na liberdade com a qual Cristo nos liberta, o servo voluntário e bem disposto de Deus e de Cristo. O homem natural é um prisioneiro espiritual e corporal, preso por Satanás. Deus, em Sua sabedoria, pode permitir que Satanás, mesmo externamente, manifeste a terribilidade dessas correntes, como no caso do endemoninhado e do lunático (Mateus 17:15-21), e daquela filha de Abraão que tinha estado presa dezoito anos.

Mas existem outras amarras, as da escravidão legal e do medo, conforme expresso no capítulo 7 da Epístola aos Romanos. Satanás e a lei (por melhor e mais santa que seja) podem amarrar, mas não soltar, isto é, libertar. Cristo liberta de ambos, “havendo efetuado uma eterna redenção”. Somente Ele, que “subindo ao alto, levou cativo o cativeiro”, possui o poder supremo para “ligar” e “desligar”. Em breve Ele amarrará e prenderá Satanás no “abismo”, o príncipe deste mundo, que mantém o mundo acorrentado nas cadeias do pecado e do medo da morte, “para que mais não engane as nações”. Mas depois do reinado milenar de Cristo, Satanás será “solto” e manifestará que o homem, mesmo depois de uma bênção milenar, permanece sempre o mesmo; após o que o “enganador das nações” e “acusador de nossos irmãos” será designado para sua condenação final no “lago de fogo e enxofre para todo o sempre”.

Mas Cristo, que detém o poder supremo de “ligar” e “desligar”, assim como detém todo o poder no céu e na Terra, pode, como já foi observado, transferir para outros uma parte desse poder de acordo com Sua boa vontade, como um rei pode transferir parte de seu poder para seus representantes de maior ou menor grau. Assim, Cristo, como Filho sobre Sua própria casa, com o propósito de disciplina na Igreja durante Sua ausência, delegou a outros parte de Seu poder e autoridade; seja para “ligar” nos casos em que a honra e autoridade de nosso grande Libertador das cadeias de Satanás, do pecado, da morte e do julgamento, e a santidade que convém à Sua casa, foram desconsideradas na prática por um de Seus redimidos; ou para “desligar” onde a “amarração” teve o efeito pretendido e a ovelha desgarrada e arrependida retorna ao bom “Pastor e Bispo da vossa alma”.

O “ligar” pode ser de caráter espiritual ou corporal, ou ambos, como no caso do pecador em Corinto, ou mesmo estender-se até a morte, como aconteceu com Ananias e Safira. Em 2 Coríntios 2:5-11 temos o “desligar”, como em 1 Coríntios. 5 temos o “ligar”.

O pecado liga, isto é, priva da liberdade. Quem pecou contra Deus não se sente livre diante d’Ele. Encontramos isso já em Adão e Eva como efeito do primeiro pecado. Eles se esforçaram para se esconder de Deus. Se alguém pecou contra o próximo, já não se sente livre na sua presença, mas contido e oprimido. O arrependimento e a confissão removem a pressão e restauram a liberdade e a tranquilidade. Assim é entre Deus e nós, e em nossa comunhão uns com os outros. Mas se aquele que peca não confessa nem se julga por isso (falo, é claro, dos crentes), o Senhor graciosamente providenciou uma maneira de ligar o pecado ao coração e à consciência do impenitente, para fazê-lo sentir seu fardo, dando poder aos Seus para excluí-lo não apenas da comunhão com a assembleia, mas até mesmo com Aquele que está no meio (Mt 18:18), ligando-o, e assim privando-o de toda liberdade e gozo até que ele se arrependa.

2. A quem o Senhor conferiu o poder de “ligar” e “desligar”? 

O Evangelho de Mateus é a única parte do Novo Testamento que fala desse poder. No capítulo 16 Jesus tinha anunciado àquela “geração má e adúltera” que desejava um “sinal do céu”, o “sinal do profeta Jonas”, tão fatal para Israel, ou seja, a morte e ressurreição do seu Messias rejeitado e crucificado. Então Ele “deixando-os retirou-Se”. Tudo acabou para Israel. Era noite. Mas no mesmo capítulo o Senhor mostra aos Seus discípulos o amanhecer da Igreja, dizendo: “Sobre esta pedra[7] edificarei a Minha Igreja, e as portas do inferno [Hades – TB] não prevalecerão contra Ela”. Mas, quanto ao próprio Pedro, o Senhor acrescenta a promessa pessoal especial: “E Eu te darei as chaves do Reino dos céus, e tudo o que ligares na Terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na Terra será desligado nos céus”[8]. Essa promessa foi feita pessoalmente ao apóstolo Pedro, evidentemente em estreita conexão com o poder das chaves para Israel e para os gentios.
[7] Isto é, mediante a confissão de Pedro de que Cristo é o Filho do Deus vivo.
[8] Há algo semelhante no Velho Testamento no caso do rei Nabucodonosor, que à voz de “um vigilante, um santo” foi preso por sete anos e solto novamente quando se arrependeu e se humilhou diante de Deus.

E no capítulo 18 do Evangelho de Mateus, onde contemplamos a alvorada da manhã da Igreja, por assim dizer, o Senhor diz: “Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na Terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na Terra será desligado no céu”. Aqui o Senhor confere o poder de “ligar” e “desligar” a todos os Seus, isto é, aos discípulos que estão com Ele, e a cada assembleia; pois Suas palavras aqui estão em estreita conexão com o que Ele disse imediatamente antes e depois.

Mas não devemos esquecer o que o Senhor acrescenta imediatamente a seguir, o que naturalmente leva à terceira questão:

3 – Por quanto tempo foi dado o poder de “ligar” e “desligar”? 

Claramente foi dado aos apóstolos do Senhor e aos Seus discípulos daquela época, por toda a vida deles, e também às Igrejas existentes nos dias dos apóstolos. Mas Cristo, sabendo de antemão o uso que uma Igreja infiel faria do privilégio do poder de ligar e desligar agindo em sua autoelevação carnal, acrescentou a graciosa promessa: “onde estiverem dois ou três reunidos em Meu nome, aí estou Eu no meio deles”. Maravilhoso privilégio da graça, concedido pelo glorioso Cabeça da Igreja, prevendo estes dias do mais profundo declínio, mesmo para dois ou três (o menor número para constituir uma assembleia) que olham a Ele desde as ruínas, como se eles próprios fizessem parte delas, no sentido da sua própria fraqueza e da nossa vergonha comum. Que são dois ou três mil sem Cristo no meio deles? Nada além de muitos “zeros” sem um número antes deles. Coloque o número 1 antes deles e isso fará com que dois “zeros” se tornem cem e três deles se tornem mil.

Mas leitor Cristão será que você pensa que o Senhor colocará Seu selo nas decisões de grupos pequenos ou grandes, e concederá a eles o poder de “ligar” e “desligar”, decisões essas fundadas em estatutos e ordenanças humanas, ou mesmo aqueles grupos que estiveram originalmente fundados em bases bíblicas, mas abandonaram o caminho da verdade e seguiram a vontade do homem em vez da Palavra de Deus? Nunca! Isso significaria colocar Seu selo naquilo que é contrário à Sua própria Palavra. Ou será que Ele poderia reconhecer as ações da Igreja por parte de um grupo que estevem reunido de acordo com os princípios bíblicos, mas que afundou num tal grau de degradação moral e espiritual que se tornou destituído de discernimento espiritual? Impossível! Isso seria nada menos do que fazer de Cristo o Servo do pecado. Foi Paulo, e não a Igreja de Corinto, quem entregou o iníquo “a Satanás, para destruição da carne, para que o espírito seja salvo no dia do Senhor Jesus”[9]. Os coríntios, assim como cada assembleia de Deus, eram responsáveis por tirar dentre eles aquele “iníquo”, mas não podiam entregá-lo “a Satanás”. Somente o apóstolo como tal, poderia fazer isso. Mas nos Coríntios “a tristeza segundo Deus” operou “arrependimento do qual ninguém se arrepende” (2 Co 7:10); ou eles não teriam sido capazes de “desligar” a disciplina no poder do Espírito Santo e com o selo da autoridade de Cristo.
[9] Uma assembleia não tem poder para entregar ninguém a Satanás. Esta expressão tem sido usada como um “bicho-papão” por líderes ambiciosos que ignoram a sua importância. Que uma pessoa excluída por uma assembleia de uma maneira piedosa (isto é, bíblica), é por aquele ato de disciplina colocada fora, isto é, no mundo, do qual Satanás é o príncipe, e onde seu poder está em ação, é solenemente – verdade, mas uma coisa bem diferente.

Excluir ou receber pessoas segundo a boa vontade de líderes humanos ou de um partido é bastante fácil; mas tais “ligar” e “desligar” não são reconhecidos no céu.

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