Origem: Livro: O Espírito Santo
A Promessa do Espírito Santo
Uma verdade definidora da presente dispensação é a habitação do Espírito Santo. Não lemos sobre o Espírito habitando nos santos de Deus até que tivéssemos um Cristo ascendido em glória. Como vimos, os santos do Velho Testamento não tinham isso – na verdade, isso era a promessa de algo futuro dado pelo Senhor Jesus enquanto Ele estava aqui na terra (Jo 14:16-17). Dependia de Sua partida: “Convém que eu vá, porque, se eu não for, o Consolador não virá a vós; mas, se eu for, enviar-vo-Lo-ei” (Jo 16:7). Os capítulos 14 a 16 do Evangelho de João falam muito dessa promessa. O motivo dessa revelação neste momento do ministério terreno do Senhor não é difícil de se discernir. O Homem Jesus estava prestes a deixá-los, mas eles não ficariam sem conforto. O Senhor fala a Seus discípulos, após a última ceia, sobre a habitação do Espírito Santo. Não como Aquele que repousaria sobre eles, mas como Aquele que habitaria, isto é, habitaria neles para sempre.
Alguém pode perguntar: Todos os crentes são habitados pelo Espírito Santo ou esta promessa foi apenas para os discípulos? O cumprimento da promessa do Senhor veio no dia de Pentecostes (At 2). O Espírito Santo apareceu visivelmente sobre os crentes em Jerusalém como línguas de fogo repartidas e “todos foram cheios do Espírito Santo” (At 2:4). Sabemos do capítulo anterior que pelo menos 120 discípulos estavam presentes em Jerusalém naquele momento – muitos mais do que os doze (At 1:15). Mas não baseamos nosso ensino apenas neste evento. No livro de Atos, temos um registro histórico do Espírito Santo agindo tanto nos indivíduos quanto na Igreja de Deus. Nas epístolas, encontramos a doutrina a respeito dessas coisas. Lemos em Romanos: “Vós, porém, não estais na carne,[2]  mas no Espírito, se é que o Espírito de Deus habita em vós. Mas, se alguém não tem o Espírito de Cristo,[3] esse tal não é d’Ele” (Rm 8:9). Isso não deixa margem para dúvidas; todos os que são de Cristo têm o Espírito de Deus habitando neles. Na epístola aos Efésios, temos uma confirmação desta verdade: “E, tendo n’Ele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa” (Ef 1:13). É evidente, portanto, que todos os que possuem a salvação em Cristo têm a habitação do Espírito Santo. Não foi apenas para os doze, nem é um estado limitado ao mais espiritual dos crentes, nem é uma experiência passageira.
[2]  Não estamos “na carne”; esta não é mais nossa condição diante de Deus. A vida Cristã é governada pelo Espírito e não pela carne. Nós ainda temos a carne em nós e ela aparecerá quando falharmos em andar no bem dessa nova vida em Cristo. ↑
[3]  Foi no poder do Espírito Santo que Cristo agiu em Sua vida (At 10:38; Mt 12:28; Hb 9:14; 1 Pe 3:18; etc.). Sua vida, como um Homem, foi a própria expressão da operação do Espírito Santo. ↑
Não devemos confundir a obra do Espírito Santo em vivificar[4] almas (Jo 6:63; Ef 2:5) com a habitação do Espírito Santo. Uma pessoa está “morta em ofensas e pecados” (Ef 2:1) até que seja vivificada. O Espírito Santo toma a Palavra de Deus, aquela semente incorruptível, e produz vida (1 Pe 1:23). Esta obra do Espírito é bastante distinta do dom, ou habitação do Espírito. Da mesma forma, devemos reconhecer os vários aspectos desse dom. O selar do Espírito (Ef 1:13) é diferente da unção do Espírito (1 Jo 2:20). Pelo selar do Espírito, temos a certeza da marca de Cristo sobre nós. A unção, por outro lado, fala da capacidade do crente de conhecer e discernir a verdade e o erro: “E vós tendes a unção do Santo e sabeis tudo” (1 Jo 2:20). O Espírito também é dado como nosso penhor (2 Co 5:5; Ef 1:14). Deixo para o próprio leitor pesquisar mais sobre isso. Muitas vezes as coisas que Deus distinguiu para nossa instrução são tratadas como uma única coisa. Elas se tornam uma mistura borrada da mesma cor tênue. Ao contrário, um estudo dos diferentes papéis que o Espírito Santo desempenha na vida do crente é instrutivo e muito encorajador. Também é importante não atribuirmos nossos próprios significados a essas expressões; deve-se olhar cuidadosamente para o contexto em que são usadas e não permitir que nossa imaginação vá além da simples Palavra de Deus.
[4]  Ser trazido à vida. ↑
Não devemos tratar essas coisas de que falo, como mera doutrina. Não podemos andar como Cristãos, exceto no poder do Espírito Santo. O Espírito Santo é uma pessoa muito real e distinta da Trindade, e a habitação do Espírito no crente é igualmente real. O efeito final sobre o crente deve, portanto, ser poderoso e eminentemente prático. Isso é facilmente observado, a título de exemplo, na exortação de Paulo aos Coríntios: “Ou não sabeis que o nosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por bom preço; glorificai, pois, a Deus no vosso corpo” (1 Co 6:19-20). Longe de ser uma presença passiva, o Espírito Santo é a força da nova vida no crente. Um carro novo pode ser mecanicamente perfeito, mas sem combustível não pode andar. É pelo Espírito Santo que damos expressão à nova vida em nosso caminhar. “Digo, porém: Andai em Espírito e não cumprireis a concupiscência da carne” (Gl 5:16).
É um equívoco comum achar que somos selados com o Espírito Santo no momento em que recebemos uma nova vida; mesmo os samaritanos de Atos 8 não receberam o Espírito Santo até que Pedro e João lhes impusessem as mãos. Cornélio, no capítulo 10, é outro exemplo. Ele possuía uma nova vida antes mesmo de Pedro chegar a Cesareia (At 10:2, 22, 44). O homem do sétimo capítulo de Romanos tinha uma nova vida. Havia um desejo verdadeiro de fazer o que era certo e agradável aos olhos de Deus (Rm 7:15-20) — tais desejos não têm sua fonte na carne — e ainda, o indivíduo não tinha paz ou descanso; tudo era dúvida e medo (Rm 7:24). Somente quando chegamos ao oitavo capítulo, quando o Espírito Santo é trazido, que ele tem a paz estabelecida. Dificilmente se poderia dizer que Cornélio tinha paz estabelecida diante de Deus. Ele era “piedoso e temente a Deus, com toda a sua casa, o qual fazia muitas esmolas ao povo e, de contínuo, orava a Deus” (At 10:2). Infelizmente, muitos Cristãos se identificariam com esta posição e descreveriam seu alcance como sendo o auge da caminhada Cristã. Quanto ao estado de sua alma e a certeza de sua salvação, vemos que tudo é incerto. O anjo disse a Cornélio que Simão viria e “te dirá palavras com que te salves, tu e toda a tua casa” (At 11:14). Eles foram vivificados; eles tinham uma nova vida; mas a Palavra de Deus não os chama de salvos. Não foi até que eles ouvissem as palavras de salvação, e as recebessem que: “caiu sobre eles o Espírito Santo” (At 11:15).
Não estou sugerindo que aquele que recebeu uma nova vida possa perdê-la; na verdade, quando Deus começa uma boa obra, Ele a levará até o fim (Fp 1:6).[5] No entanto, devemos reconhecer que houve um período em que Deus agiu até chegarmos àquela paz estabelecida, conhecida como salvação. Parte da dificuldade reside em não reconhecer que uma nova vida precede ao crer. Uma pessoa morta não pode ouvir, muito menos crer. A vivificação deve preceder o crer: “Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo Seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos)” (Ef. 2:4-5). “Ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me enviou, o não trouxer; e eu o ressuscitarei no último Dia” (Jo 6:44). A nova vida vinda de Deus deve vir primeiro, depois crer, seguido pelo selo do Espírito Santo. “Em quem também vós estais, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo n’Ele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa” (Ef 1:13).
[5]  Este versículo não fala da salvação da alma; no entanto, se podemos contar com Deus para a realização de Sua obra até sua conclusão, quanto à vida Cristã, certamente podemos contar com Ele para consumar o trabalho que Ele inicia na alma. ↑
Não encontramos nenhuma instrução, ou exemplos de crente pedindo o dom do Espírito Santo. É verdade que no Evangelho de Lucas lemos: “Pois, se vós, sendo maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais dará o Pai celestial o Espírito Santo àqueles que lho pedirem?” (Lc 11:13). No entanto, assumir esta posição agora, coloca a pessoa na mesma condição dos discípulos antes da cruz. Os discípulos dos evangelhos eram representantes daquele fiel remanescente judeu que buscava a redenção em Israel (Lc 2:38; 24:21). Para o judeu, a relação com Jeová Deus era distante, conectada pelo sacerdócio Aarônico estabelecido pela Lei. Jeová habitava em trevas densas (1 Rs 8:12). Depois da cruz, entretanto, tudo mudou. Os discípulos foram trazidos a um novo relacionamento com Deus. Deus foi revelado como Pai por meio do Filho. Enquanto tudo estava incerto, a cruz garantiu paz para a alma e os redimiu da maldição da Lei. Entre a ascensão de Cristo e o dia de Pentecostes, os discípulos podiam ser encontrados no cenáculo em Jerusalém orando. “Todos estes perseveravam unanimemente em oração e súplicas, com as mulheres, e Maria, mãe de Jesus, e com seus irmãos” (At 1:14). Lá eles deveriam permanecer, conforme instruído, até o batismo do Espírito Santo. Foi uma época de grande vulnerabilidade – Cristo não estava mais com eles pessoalmente e o Espírito Santo ainda não havia sido dado. “Mas que esperassem a promessa do Pai, que (disse ele) de mim ouvistes. Porque, na verdade, João batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias” (At 1:4-5). Eles sem dúvida oraram em antecipação a este evento em resposta ao que encontramos em Lucas. Depois disso, no entanto, não há relatos de uma pessoa orando para receber o dom do Espírito Santo. A Escritura simplesmente não traz base para a oração para o Espírito — nem pela habitação nem pelo batismo do Espírito.
