Origem: Livro: As Epístolas de JOÃO e JUDAS

As Qualidades e Características do Amor Divino

Tendo dito que “Deus é amor” (v. 8), a questão é: Como podemos distinguir o amor divino do amor do mundo? João, portanto, é levado a falar das qualidades e características do amor divino, pelas quais nos é dado um ponto de referência para testar toda a pretensão de uma pessoa ser nascida de Deus e ter a natureza divina. Ele fala do amor de Deus de três maneiras:

  • Seu amor “para nós” (JND) em relação ao nosso passado (v. 9).
  • Seu amor “em nós” em relação ao presente (v. 12).
  • Seu amor “para conosco” em relação ao futuro (v. 17).

O Amor de Deusparanós 

Vs. 9-10 – A primeira e mais importante marca do amor divino é que ele se sacrifica pelo bem e pela bênção dos outros. Isso é visto no amor de Deus para nós no envio de Seu Filho para morrer por nós. João diz: “Nisto se manifestou o amor de Deus para conosco [para nós – JND]: em que Deus enviou Seu Filho unigênito ao mundo, para que por meio d’Ele vivamos. Nisto está o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que Ele nos amou a nós, e enviou Seu Filho como propiciação pelos nossos pecados” (AIBB). Essa foi a maior demonstração de amor que já houve! Deus deu o Seu Filho como sacrifício pelo pecado para trazer os crentes para a bênção da salvação. Não houve maior dom de amor do que esse! (Jo 3:16) O preço que o Senhor Jesus pagou para nos redimir (Seus sofrimentos expiatórios) apenas magnifica a grandeza de Seu amor. Refletindo sobre este sublime dom, o apóstolo Paulo disse: o “Filho de Deus, O qual me amou, e Se entregou a Si mesmo por mim” (Gl 2:20). Todo crente pode ecoar o mesmo sentimento de gratidão (2 Co 9:15).

Nestes versículos, João aborda duas coisas para as quais Deus enviou Seu Filho ao mundo – para que “por meio d’Ele vivamos” (v. 9) e para que Ele pudesse ser a “propiciação pelos nossos pecados” (v. 10). O primeiro envolve a encarnação de Cristo e o segundo envolve a Sua morte. Para que os homens tenham a vida eterna, Cristo teve que vir e revelar o Pai (Jo 1:18, 14:9), pois conhecer a Deus como nosso Pai é a essência dessa vida (Jo 17:3). Mas o amor divino não parou na vinda de Cristo. Ele O levou até a cruz onde Ele demonstrou a grandeza desse amor no supremo ato de sacrifício de Si mesmo (Hb 9:26). Cristo voluntariamente Se tornou o Emissário do pecado; Seus sofrimentos expiatórios renderam uma satisfação plena às reivindicações da justiça divina em relação ao pecado (o significado de “propiciação”). O argumento de João aqui é que nada deteria o amor divino para salvar os pecadores. Encontrou uma maneira de superar a grande barreira do pecado que estava no caminho da bênção do homem, mesmo que isso tenha custado a Deus dar o mais precioso Objeto de Seu coração! Esse amor não se originou conosco; Sua fonte é o Próprio Deus, pois Ele é amor. Por isso, João diz: “não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que Ele nos amou a nós” (AIBB).

O Amor de Deusemnós 

Vs. 11-16 – João prossegue com uma segunda característica do amor divino – manifesta Deus e, quando desfrutado na alma, leva o crente a testificar da graça de Deus para os outros. Isso tem a ver com o amor de Deus estar em nós. Ele diz: “Amados, se Deus assim nos amou, nós também devemos amar-nos uns aos outros. Ninguém jamais viu a Deus; se nos amamos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o Seu amor é em nós aperfeiçoado Nisto conhecemos que permanecemos n’Ele, e Ele em nós: por Ele nos ter dado do Seu Espírito. E nós temos visto, e testificamos que o Pai enviou Seu Filho como Salvador do mundo” (AIBB). Saber que somos objetos do amor de Deus deve criar uma reação em nós para “amar uns aos outros” e, ao fazê-lo, manifestamos o Deus invisível, porque “Deus é amor” (v. 16 – AIBB).

Quando Cristo esteve aqui, o Deus invisível foi manifestado n’Ele (Jo 1:18, 14:9). Mas agora, desde que Cristo voltou ao céu, João nos diz que devemos manifestar Deus aqui neste mundo. Isso, diz ele, é feito amando uns aos outros. Quando nos amamos, “o Seu amor é em nós aperfeiçoado” (v. 12), e assim nos é dada uma profunda percepção em nossa alma de que “permanecemos n’Ele” e “Ele em nós” (v. 13a). Poderia haver algo mais abençoado do que habitar em Deus por meio da comunhão e ter Deus habitando em nós por meio da possessão de Sua vida e natureza? João diz que isso é possível “pois Ele nos deu do Seu Espírito” (v. 13b). O amor de Deus em nós naturalmente flui e transborda em graça e benevolência para com os outros, e assim “testificamos” para todos ao redor que “o Pai enviou o Filho como Salvador do mundo” (v. 14 – AIBB).

Como resultado, as pessoas são levadas a “confessar que Jesus é o Filho de Deus”, e aquele que faz isso prova que “Deus permanece nele” (TB) e ele “em Deus” (v. 15). E eles sabem por experiência própria que “Deus é amor” e permanecem em Seu amor (v. 16).

Vemos dessa segunda grande característica do amor divino que ele se reproduz naqueles que o recebem. Nós não somos os terminais do amor de Deus; somos os canais dele. Que privilégio é poder recomendar o amor de Deus a este pobre mundo!

O Amor de DeusConosco 

Vs. 17-21 – A terceira característica do amor divino em que João se concentra é o seu poder de dar ao crente paz e confiança em relação ao julgamento de seus pecados. Isso tem a ver com o amor de Deus conosco. Ele diz: “Nisto é aperfeiçoado em nós o amor, para que no dia do juízo tenhamos confiança; porque, qual Ele é, somos também nós neste mundo” (v. 17 – AIBB). Quando olhamos adiante para o tribunal de Cristo (o “dia do juízo”), temos perfeita paz e ousadia em relação a nossos pecados. Como vimos nos versículos 9-10, o amor divino se comprometeu a resolver essa questão em justiça de uma vez por todas na morte expiatória de Cristo. O Espírito, recebido ao crer no evangelho de nossa salvação (Ef 1:13), nos tornou conscientes de nossa segurança eterna n’Ele (Jo 10:27-28). Assim, não temos que esperar por aquele dia para conhecer esta verdade abençoada “porque, qual Ele é, somos nós também neste mundo”. Isto é, como Cristo Se assenta aceito no céu com todo o favor de Deus repousando sobre Ele, “somos nós também” aceitos da mesma forma, embora ainda estejamos aqui “neste mundo”. Isto porque Sua aceitação é a medida da nossa aceitação e somos “agradáveis [aceitos – JND] a Si no Amado”! (Ef 1:6) A versão King James diz “nosso” amor se aperfeiçoa nisso, mas essa palavra não deveria estar no texto. João não está falando do nosso amor, mas do amor de Deus sendo aperfeiçoado em nós. Desfrutando do Seu amor, podemos olhar para o futuro com a máxima confiança, sabendo que, como Ele está além do juízo, nós também estamos!

V. 18 – João explica como é isso, dizendo: “No amor não há medo antes o perfeito amor lança fora o medo; porque o medo envolve castigo; e quem tem medo não está aperfeiçoado no amor” (AIBB). Vivendo no desfrute do amor de Deus, o crente não pode ter medo, pois o amor que enche seu coração desloca todo o medo e a dúvida; o amor e o medo não podem existir ao mesmo tempo.

V. 19 – Tendo apresentado algumas das grandes qualidades e características do amor divino, João nos traz de volta ao seu começo. Ele diz: “Nós amamos porque Ele nos amou primeiro” (v. 19). Deus é a fonte do amor; é a atividade da Sua natureza. Seu amor gerou amor em nós, pois, como vimos, o amor divino se deleita em se reproduzir em seus objetos. Como resultado, amamos os outros com esse mesmo amor. (A KJV e a ARC traduzem: “Nós O amamos. Mas deveria simplesmente ler: “Nós amamos [ARA]. É verdade que O amamos, mas a manifestação do amor divino em nós é mais ampla do que isso; também emana de nós para os outros). Assim, o amor divino se expressará em amor genuíno para com os outros. Eu não amo meu irmão por causa do que ele é, mas por causa do que eu sou. Ele pode ter alguns traços carnais que não são dignos de amor, naturalmente falando, mas porque eu tenho a natureza divina que ama com o amor ágape, eu o amo imerecida e incondicionalmente.

Amor Divino Provado Por Nosso Amor de Uns Aos Outros (Cap. 4:20-21) 

Visto que o amor divino se expressa nos filhos de Deus por seu amor a Deus e seu amor por Seus filhos (seus irmãos), isso pode ser usado como um teste para todos os que professam ser filhos de Deus. João diz: “Se alguém diz: Eu amo a Deus, e odeia a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, não pode amar a Deus, a Quem não viu” (v. 20 – AIBB). O teste é simples; se alguém não pode amar seu irmão dessa forma divina, há boas razões para questionar se ele é um verdadeiro filho de Deus. Mas quando uma pessoa ama até mesmo um irmão carnal, é uma prova de que ela tem a natureza divina, pois somente aqueles que têm essa natureza podem amar com amor ágape. Ao fazer isso, ele prova que ele é um verdadeiro filho de Deus.

No versículo 21, João introduz uma razão adicional pela qual devemos amar nosso irmão. Ele diz: “E d’Ele temos este mandamento: que quem ama a Deus, ame também a seu irmão”. Amamos nosso irmão não apenas porque o amor ágape habita em nós, mas também porque temos um “mandamento” de Deus para fazê-lo. Em outras palavras, amamos nosso irmão, em primeiro lugar porque temos uma natureza em nós que assim deseja fazer e, em segundo lugar, porque temos um mandamento de Deus para fazê-lo.

Amor Divino Provado por Nossa Obediência (Cap. 5:1-3) 

Isso conduz naturalmente à próxima prova de João – o teste da obediência. Ele diz: “Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo é nascido de Deus; e todo aquele que ama ao que o gerou também ama ao que d’Ele é nascido. Nisto conhecemos que amamos os filhos de Deus: quando amamos a Deus e guardamos os Seus mandamentos. Porque este é o amor de Deus: que guardemos os Seus mandamentos; ora, os Seus mandamentos não são penosos” (ARA). Se alguém é verdadeiramente nascido de Deus, ele crerá em Cristo e amará a Deus; ele provará sua realidade amando todos os que são gerados por Deus – isto é, seus irmãos (v. 1). Nota: João não diz que alguém se torna nascido de Deus por crer que Jesus é o Cristo. Isso seria “colocar o carro na frente dos bois”. Seria fazer um novo nascimento um resultado de alguém receber a Cristo. A verdade é que uma pessoa não crê no Senhor Jesus para nascer de novo; ela crê n’Ele porque nasceu de novo (Jo 1:12-13). Quanto à ordem dessas coisas, Deus começa a obra na alma de uma pessoa ao transmitir soberanamente a vida por meio de um novo nascimento, e então a pessoa recebe fé para crer no evangelho e ser salva (Ef 2:8). Sem essa obra inicial de Deus nas almas em novo nascimento, ninguém viria a Cristo para ser salvo (Jo 6:44).

Provamos que amamos a Deus e a Seus filhos por nossa obediência aos mandamentos de Deus (v. 2). Amor que compromete princípios não é amor divino. O amor divino nunca suplantará a obediência. Se realmente tivermos o amor de Deus em nós, obedeceremos aos princípios de Sua Palavra, mesmo que isso signifique repreender ou separar-se de um crente que anda em vontade própria. Para a pessoa que ama a Deus e possui Sua natureza, Seus mandamentos não serão “penosos” porque ele tem uma nova natureza que quer fazer a vontade de Deus (v. 3). Quando Sua vontade nos é revelada por meio de Seus mandamentos, a nova vida em nós se deleita em fazê-la. Ser solicitado a fazer algo que queremos fazer não é inconveniente.

Assim, temos três coisas aqui que marcam todo verdadeiro filho de Deus:

  • Fé em Cristo (v. 1a).
  • Amor por Deus (v. 1b).
  • Amor para com os nascidos de Deus (v. 2).

Amor Divino Provado Por Vencer o Mundo (Cap. 5:4-5) 

João passa a falar de uma última coisa que é uma prova de que o amor de Deus habita no crente e que este é um verdadeiro filho de Deus – quando esse amor, desfrutado na alma, livra o crente do mundo e de suas atrações. João diz: “Porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé. Quem é que vence o mundo, senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus?” (A palavra “Porque” aqui conecta esses dois versículos com a passagem anterior concernente ao amor de Deus).

Aprendemos com essa passagem que a “vitória” sobre o mundo e seu poder de nos desviar de fazer a vontade de Deus é efetuada por duas coisas: em primeiro lugar, há o que Deus faz ao nos comunicar a vida divina por meio do novo nascimento. Essa nova vida tem a capacidade de desfrutar de coisas divinas que são infinitamente melhores que as coisas deste mundo. Em segundo lugar, há o que nós devemos fazer, que é ter os olhos da nossa fé fixados em Cristo, o Filho de Deus, o centro do mundo acima. Isso mostra que nossa vitória sobre o mundo não é toda uma obra que Deus faz; nós também temos uma parte de responsabilidade nela. Devemos participar com Ele nesta vitória.

Percebemos disto que possuir a vida divina não é suficiente em si mesma para libertar uma pessoa do mundo; essa vida precisa de um Objeto – “Jesus o Filho de Deus”. Quando a fé do crente se apodera da cena acima, que o Senhor chamou: “o mundo vindouro e a ressurreição” (Lc 20:35), este mundo presente perde o seu charme. Tendo um Objeto mais brilhante diante de nossa alma, as atrações desse pobre mundo perdem sua atração por nós porque provamos algo incomparavelmente melhor.

Ó pompa e glória mundana, seus encantos são difundidos em vão!
Eu ouvi uma história mais doce! Eu encontrei algo muito mais vero!
Onde Cristo um lugar prepara, lá é que está minha amada mansão;
Ali fitarei meu amado Jesus: e habitarei com o Deus verdadeiro.

Hinário The Little Flock nº 16 – Apêndice

A “fé” de que João fala aqui no versículo 4 não é fé para ser salvo da pena de nossos pecados, mas fé para viver a vida Cristã (2 Co 5:7; Gl 2:20), que tem como seu objetivo Cristo em glória (Fp 3:14). Também aprendemos com isso que a vitória sobre o mundo não é conseguida por nos retirarmos da sociedade – ou seja, nos isolando em um mosteiro. Isolamento não é a resposta. Também não é garantida por imposições de leis e regras de conduta sobre nós mesmos, que são meras ferramentas externas. Como João mostra aqui, é uma questão de o coração estar comprometido com Cristo e com o amor de Deus. Quando a fé opera em nossa vida e nós, por meio da comunhão com as Pessoas divinas, desfrutamos das coisas celestiais, a influência do mundo perde seu poder sobre nós, e ganhamos a vitória sobre ele, afastando-nos dele.

O caminho de vitória de Deus sobre o mundo pode ser visto na vida de Moisés. “Pela fé deixou o Egito, não temendo a ira do rei; porque ele perseverou, como vendo aqu’Ele que é invisível” (Hb 11:27 – JND). Sua fé apoderou-se daqu’Ele que é invisível, considerado Seu vitupério como sendo “maiores riquezas do que os tesouros do Egito” (Hb 11:26), e assim, ele foi levado a se afastar do Egito (um tipo deste mundo). Tendo algo diante dele que era maior do que qualquer coisa que o faraó tinha a oferecer, a escolha de desistir do Egito e separar-se dele era simples.

Este princípio divino pode ser usado para testar a profissão de um homem. Se o amor divino desfrutado na alma liberta o crente do mundo, o inverso também será verdadeiro. Se uma pessoa professa ser um filho de Deus, mas vive habitualmente na busca de coisas mundanas e vive em princípios mundanos, é um forte indicador de que ele pode não ser verdadeiro, mas um professante vazio.

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