Origem: Livro: Breves Meditações
A Redenção da Herança
Temos quatro Escrituras, em partes distintas da Palavra, que encontram conexão com este assunto: “A Redenção da Herança”. Refiro-me a Levítico 25:25; Deuteronômio 25:5-10; Rute 4:1-10; Jeremias 32:6-15.
A ordenança em Levítico 25 nos ensina que um israelita podia resgatar ou comprar a herança de um parente empobrecido, das mãos daquele a quem ela havia sido vendida, quem quer que fosse; e então ele podia mantê-la até o ano do jubileu, quando, como aprendemos mais tarde, ela deveria retornar ao dono original.
A ordenança em Deuteronômio 25 nos ensina que um israelita era obrigado a se casar com a viúva de seu irmão, se este morresse sem filhos, e a suscitar descendência a seu irmão, para que seu nome e sua herança fossem assegurados pelo primogênito daquele casamento. Se ele se recusasse a prestar esse serviço ao seu irmão falecido, seria exposto à vergonha pública, sendo-lhe afixada uma marca de degradação.
Essas ordenanças são ilustradas em Rute e Jeremias. Na bela história de Rute, encontramos Boaz desempenhando esse papel como irmão ou parente em Israel, de acordo com a ordenança em Deuteronômio 25, de uma maneira muito especial e admirável. A herança de Malom, um israelita de Belém de Judá, havia sido vendida, e sua esposa, moabita de nascimento, havia sido deixada por ele, uma viúva sem filhos e sem bens. Ela não possuía nada além de sua virtude, a excelência imaculada de seu caráter e reputação. Ela era uma estrangeira que, à custa de sua própria diligência e trabalho, sustentava sua sogra, a mãe de seu falecido marido, por cuja causa, no espírito de uma filha verdadeira ou adotiva de Abraão; ela havia deixado seu lar, sua terra e a casa de seu pai.
Boaz resgata a herança dela e se casa com ela. Ele não teme a diminuição de sua própria herança, mas se dedica aos interesses de seu parente falecido e da viúva sem filhos e sem bens que ele havia deixado para trás. E por meio desse casamento, e dessa redenção da herança que o acompanhava, a casa de Malom é revivida e elevada às honras reais, ao primeiro e mais alto estado de riqueza e dignidade na terra. Pois Davi, que se assentou no trono de Israel, o mais eminente em todas as genealogias de Israel, foi fruto desse ato na terceira geração.
Esta foi uma grande e magnífica ilustração da virtude dos parentes.
No decorrer do Livro de Jeremias, ou na história do profeta, nós o encontramos (embora não da mesma forma que Boaz no Livro de Rute) desempenhando o papel de parente. Enquanto ele estava na prisão (como esteve no reinado do rei Zedequias, por amor à verdade), e enquanto o exército caldeu estava acampado diante de Jerusalém, ameaçando sua destruição e o cativeiro de seu povo, Hamaneel, filho de seu tio, vem até ele e lhe diz, como seu parente, para comprar seu campo que estava em Anatote, a cidade de seus pais. Este era um apelo estranho para se fazer em tal momento a tal homem. Mas Jeremias não hesita. Ele sabia que era a vontade do Senhor, e ele paga seu preço, e compra ou resgata o campo de Hananeel, filho de seu tio; embora ele soubesse que isso poderia provar ser, se deixado à mercê das circunstâncias, um negócio infrutífero; ou, pelo menos, que um tempo muito distante precisaria ser alcançado, antes que ele pudesse adquirir a posse efetiva de sua aquisição. Este foi um grande ato de fé e mais uma bela e nobre demonstração de virtude do parente.
Posso dizer, portanto, que as ordenanças em Levítico e Deuteronômio estabelecem esses deveres de parentesco; e então, as histórias de Boaz e de Jeremias, dessas maneiras belas e admiráveis, ilustram esses deveres.
Mas temos mais do que isso – pois esses feitos de Boaz e Jeremias antecipam, como em sombras e figuras, os caminhos de nosso Senhor Jesus, que, tendo-Se feito nosso Parente, de maneiras que ofuscam todas as analogias, desempenhou um papel de parente. Sim, de fato – e não preciso dizer – essas ilustrações de virtudes de parentes nas pessoas de Boaz e Jeremias são superadas e ofuscadas nos caminhos brilhantes, maravilhosos e perfeitos do Filho do Homem – pois Ele, certamente, como um Boaz ainda mais abnegado, a um preço que Lhe custou tudo, aliviou não apenas um parente sem filhos e sem posses, mas também um culpado, arruinado e vendido ao cativeiro desonroso; e, como um Jeremias melhor, esperou agora por um longo período e por uma era de dura rejeição pela herança que Ele comprou com Seu próprio sangue no dia do Calvário.
Mas eu ainda gostaria de analisar isso mais profundamente. O Senhor Jesus é um Redentor em dois aspectos: um Redentor por compra e por poder. Ele é um Redentor pelo preço de Seu sangue, comprando desse modo a nós e a nossa herança das justas reivindicações de Deus, para que Deus seja Justo ao nos justificar e abençoar. Ele é um Redentor pelo poder do Seu braço, resgatando-nos e à nossa herança das mãos do grande inimigo. Para que no “mundo vindouro”, onde “a redenção da possessão adquirida” será manifestada, poderemos contemplar com gratidão o Deus bendito e saber que Ele está satisfeito com o nosso Redentor, e olhar com ousadia para o nosso grande adversário e vê-lo vencido pelo nosso Redentor. E esta será, de fato, uma condição elevada. “Comprados” e “resgatados”, os sujeitos de uma dupla redenção, será a nossa condição no “mundo vindouro” – e algo semelhante jamais existiu na criação de Deus. Nem os anjos, em sua dignidade, nem Adão, em sua inocência, jamais a ilustraram.
Posso apenas observar que um versículo na Epístola aos Colossenses nos faz aprender a redenção pelo sangue; um versículo na Epístola aos Filipenses nos ensina a redenção pelo poder; um versículo na Epístola aos Efésios combina os dois. (Cl 1:20; Fp 3:21; Ef 1:14.)
A história da compra que nosso Redentor fez nos é contada nos Evangelhos; a história do resgate que nosso Redentor fará nos é contada no Apocalipse [23]. Consequentemente, é simplesmente como “o Cordeiro” que vemos Cristo nos Evangelhos – é como “o Leão da tribo de Judá”, bem como “o Cordeiro”, que O vemos no Apocalipse (João 1:29, 36; Apocalipse 5:5-6). Pois é por Seu sangue ou sacrifício que o Senhor Jesus nos compra, ou responde por nós às reivindicações de Deus sobre nós; será por Seu braço estendido em juízos que Ele resgatará nossa herança das garras e do cativeiro do usurpador, que agora governa, como seu deus e príncipe, o curso deste presente século mau.
[23] Pelo menos no que diz respeito ao resgate da herança, do quarto ao décimo nono capítulos. ↑
Mas posso dizer um pouco mais sobre este duplo caráter da redenção de que estamos falando agora. Ele é indicado já na primeira promessa (Gn 3:15). Houve uma demonstração disso no dia do Êxodo; pois Israel era então um povo comprado, resgatado das reivindicações de Deus pelo sangue nas vergas da porta, e também um povo resgatado, libertado da inimizade e da força de Faraó pela derrota do Egito no Mar Vermelho (Êx 12; 14). Então, temos, aqui e ali, ao longo do Velho Testamento, figuras, profecias e repetições deste grande mistério, a criação de Deus em uma condição comprada ou resgatada, ou no desfrute desta dupla redenção. Depois de tudo isso, o Senhor Jesus é apresentado ao mundo e à Sua própria obra e comissão nele, neste caráter de um duplo Redentor, como nos dizem as profecias que O precederam (veja Lucas 1 e 2). E então, Seu ministério em vida ilustrou a redenção pelo poder, porque Ele estava apagando os traços da força do inimigo nas curas e vivificações que Ele operou; e Seu ministério na morte realizou a redenção pelo sangue, porque pagou o resgate por nossa libertação de todas as reivindicações de Deus e da justiça que eram contra nós[24].
[24] Há um intervalo, certamente, entre os tempos dessas duas redenções – como Efésios 1:14 claramente nos diz e, como sabemos, deve ser. ↑
Mas mesmo que houvesse uma graça e uma luz para fazê-lo, o tempo não seria suficiente para contar todas as glórias da redenção. Ela ainda está conquistando suas vitórias, e as conquistará até o dia da ressurreição dos santos e do reino que se segue – e quando todas as suas vitórias forem alcançadas, suas honras serão celebradas para sempre.
