Origem: Livro: A Primeira e Segunda Epístolas de PEDRO
SOFRENDO POR CAUSA DA JUSTIÇA – Capítulo 3:14-22
V. 14 – Pedro prossegue abordando os vários aspectos do sofrimento no caminho da fé, começando pelo sofrimento por causa da justiça.
Haverá momentos na vida em que faremos o que é moral e eticamente correto em uma determinada situação e, consequentemente, sofreremos por isso. A resposta de Pedro é: “Mas também, se padecerdes por amor da justiça, sois bem-aventurados [felizes – KJV]”. Isso pode soar um pouco estranho. Poderíamos pensar que ele deveria ter dito: “Se você sofrer… você será triste” – mas ele diz: “sois felizes!” Podemos nos perguntar como um crente poderia ser feliz quando ele é perseguido? Pedro mostra que, se formos chamados a sofrer por causa da justiça, teremos um gozo interior que é conhecido apenas por aqueles que sofrem dessa maneira (1 Ts 1:6). Isto é um enigma que não pode ser explicado. A conclusão de Pedro, portanto, é que não há necessidade de viver com medo ou pavor, porque se formos chamados a sofrer dessa maneira, seremos felizes. Sendo este o caso, ele diz: “E não temais com medo deles, nem vos turbeis”. Similarmente, Hebreus 13:5-6 diz: “Não te deixarei, nem te desampararei. E assim com confiança ousemos dizer: O Senhor é o meu Ajudador, e não temerei o que me possa fazer o homem”. Novamente, essa é a linguagem de fé.
Dando uma Resposta pela Razão da Nossa Esperança
V. 15 – Pedro prossegue, mostrando que, se nos comportarmos adequadamente, especialmente sob a provação da perseguição, aqueles que se opõem às coisas que defendemos, podem até mesmo inquirir sobre nossa fé. Isso mostra que quando sofremos por justiça e somos felizes, isso dá um testemunho poderoso para aqueles que estão ao nosso redor, e eles podem querer o que temos. Já que esta é uma possibilidade real, ele diz: “Antes santificai a Cristo, como Senhor, em vossos corações; e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós”. Esta é uma citação parcial de Isaías 8:12-13. Santificar o Senhor Cristo em nosso coração é dar ao Senhor Seu lugar de direito em nossa vida, colocando os Seus interesses em primeiro lugar. Isso incluiria estar em bom estado de alma por meio de nosso julgamento próprio (1 Co 11:31) e vivendo em comunhão com o Senhor (Jo 15:4). Então, se quisermos ser efetivos em dar uma resposta correta sobre em que cremos, também precisaremos ter um conhecimento prático da verdade. Não podemos esperar ensinar a verdade àqueles que nos perguntam, se nós mesmos não a conhecemos. Aqueles que viveram nos primeiros dias do Cristianismo, antes de as Escrituras do Novo Testamento serem escritas, adquiriram a verdade por meio do ministério oral dos apóstolos e outros servos do Senhor (At 2:42, 11:26, 14:22, 18:24-28, 20:20). Mas desde que o Novo Testamento foi completado, temos a Bíblia divinamente inspirada para nos referirmos – mas até mesmo isto requer uma familiaridade com ela, que só vem por meio do estudo diligente (1 Tm 4:6; 2 Tm 2:15).
Pedro diz que nossas respostas devem ser dadas “com mansidão e temor”. A mansidão e humildade andam juntas (Mt 11:29; Ef 4:2; Cl 3:12). A mansidão tem a ver com a maneira pela qual nos aproximamos dos outros, não ofendendo (1 Co 4:21; 2 Co 10:1; Gl 6:1; 2 Tm 2:24; Tt 3:2). H. Smith disse: “Agindo em um espírito de mansidão, não ofenderemos” (The Epistles of Peter, pág. 25). Humildade, por outro lado, é não se ofender quando encontramos alguém que não é manso em espírito. Moisés é um exemplo de humildade; ele foi criticado por se casar com uma mulher negra, mas ele não se ofendeu (Nm 12:3 – Nota de rodapé – Tradução J. N. Darby). A palavra “responder” no grego é “apologia”, que é de onde obtivemos nossa palavra em inglês “apologética”. Isso se refere a uma defesa doutrinária da fé Cristã. Assim, devemos agir em mansidão, mas também no “temor” de Deus ao enfrentar os questionadores. Precisamos manter um espírito correto ao darmos uma resposta da “razão da esperança” em nós. Isso será difícil quando estivermos sendo perseguidos, mas o Senhor nos dará a graça para dizer a coisa certa se olharmos para Ele (Mt 10:18-20).
V. 16 – Pedro acrescenta: “Tendo uma boa consciência, para que, naquilo em que falam mal de vós, como de malfeitores, fiquem confundidos os que blasfemam do vosso bom porte em Cristo”. Assim, não é para termos apenas um conhecimento da verdade e um espírito correto ao respondermos àqueles que perguntam, mas também devemos ter uma “boa consciência”. Uma boa consciência é mantida por nos julgarmos a nós mesmos, se e quando falharmos. O próprio Pedro é um exemplo aqui. Ele “negou” o Senhor (Mt 26:72), mas quando ele julgou seu fracasso e foi restaurado ao Senhor, ele poderia, com boa consciência, pregar para seus compatriotas: “Mas vós negastes o Santo e o Justo!” (At 3:14) O perigo é perdermos uma boa consciência por não nos comportarmos corretamente quando somos falsamente acusados. Quando esse é o caso, nosso ministério perderá seu poder.
Vs. 17-18 – Pedro conclui: “Porque melhor é que padeçais fazendo bem (se a vontade de Deus assim o quer), do que fazendo mal. Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; mortificado, na verdade, na carne, mas vivificado pelo Espírito”. Os sofrimentos de Cristo na expiação são trazidos aqui como motivação para o crente não pecar. Assim, é totalmente inconsistente para um crente ser encontrado sofrendo por ter feito algo errado, porque Cristo já sofreu por tais pecados no Calvário. Uma vez que tirar esses pecados Lhe causou agonia insondável, como podemos voltar, na menor medida que seja, àquilo que causou a Ele tanto sofrimento? Visto que Ele nos salvou de tudo isso, não é correto que sejamos encontrados praticando aqueles pecados pelos quais Cristo morreu; isso é não ser fiel à nossa confissão de sermos Cristãos. J. N. Darby disse: “Pode ser que Deus ache bom que soframos. Se assim for, é melhor que soframos por fazer o bem do que por fazer o mal. O apóstolo dá um motivo tocante para isso: Cristo sofreu pelos pecados de uma vez por todas; que isso seja suficiente; vamos sofrer apenas pela justiça. Sofrer pelo pecado foi Sua tarefa; Ele a consumou e para sempre, sendo levado à morte quanto à Sua vida na carne, mas vivificado de acordo com o poder do Espírito divino” (Synopsis of the Books of the Bible, Loizeaux edition, pág. 444-445).
Há três coisas declaradas no versículo 18 em conexão com a obra de Cristo na cruz:
- “Padeceu uma vez pelos pecados” – isso é propiciação.
- “O Justo pelos injustos” – isto é substituição.
- “Para levar-nos a Deus” – isto é reconciliação.
A ordem em que Pedro fala dessas coisas é significativa. Propiciação e substituição (as duas partes da expiação) precedem a reconciliação. Isso indica que Deus teve de cuidar de assuntos que pertenciam à Sua santidade antes que Ele pudesse Se preocupar com a necessidade do homem. As reivindicações da justiça divina em relação ao pecado tinham de ser resolvidas primeiro. Isso foi feito na propiciação (Rm 3:25; Hb 2:17; 1 Jo 2:2, 4:10). A propiciação é o lado de Deus da obra de Cristo na cruz, que satisfez plenamente a Deus em relação a toda a manifestação do pecado; isso reivindicou Sua natureza santa. A substituição é o lado do crente da obra de Cristo na cruz. Tem a ver com o que Cristo fez pelos crentes suportando o juízo dos pecados deles (cap. 2:24). Como resultado, a questão do pecado foi resolvida na cruz, e Deus é capaz de alcançar o homem com uma mensagem de graça redentora, e reconciliar os crentes a Ele mesmo (Rm 5:10-11; Ef 2:13; Cl 1:21).
Exemplo de Noé
Vs. 19-20 – Pedro então menciona os dias de Noé e as pessoas que rejeitaram a sua pregação que agora estão na prisão. Ele diz: “No qual (Espírito) também (Cristo) foi, e pregou aos espíritos em prisão; Os quais noutro tempo foram rebeldes [desobedientes – ARA], quando a longanimidade de Deus esperava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual poucas (isto é, oito) almas se salvaram pela água”. Podemos nos perguntar por que Pedro mencionaria isso porque aparentemente não tem nada a ver com o assunto em discussão. A resposta simples é que foi para encorajar aqueles que estavam sofrendo pela justiça, de que eles não estavam sozinhos em seus sofrimentos; outros antes deles sofreram de maneira semelhante. Noé é um exemplo. Ele foi “pregoeiro da justiça” (2 Pe 2:5) que sofreu “por amor da justiça” nas mãos daqueles que eram “desobedientes” à sua pregação. Embora os resultados de sua pregação fossem pequenos, no que se refere às almas que foram salvas, ele continuou fiel e perseverou em seu testemunho, e foi um verdadeiro vencedor em seus dias. Ele testemunhou pacientemente por 120 anos enquanto “preparava a arca” e se tornou um “herdeiro da justiça” (Hb 11:7).
Cristo Pregando pelo Espírito
Uma consideração mais detalhada desta passagem das Escrituras revela muitas correlações entre os dias antediluvianos e os dias em que esses crentes judeus estavam vivendo. Cristo não estava pessoalmente presente naqueles dias, mas Ele “pregou” aos homens daquele tempo “pelo Espírito” (vs. 18-19) por meio de Noé. De forma similar, nestes tempos Cristãos, Cristo não está mais presente na Terra, mas o Espírito veio, e Cristo tem pregado aos homens pelo Espírito por meio de Seus servos (Ef 2:17). Para entender corretamente isso, é necessário notar a maneira na qual Pedro usa a expressão “o Espírito de Cristo” (cap. 1:11). Cristo, pelo Espírito Santo, estava nos profetas antigos testificando aos homens. Da mesma forma, com as pessoas que viveram antes do dilúvio; naqueles dias, o Espírito de Cristo estava em Noé, lutando com os homens por meio de sua pregação justa (Gn 6:3; 2 Pe 2:5).
A grande massa do povo nos dias de Noé foi “rebelde” à pregação. Igualmente, nos dias de Pedro, a massa da nação judaica havia rejeitado a Cristo (At 3:13-16) e resistiu ao testemunho do Espírito Santo, falado a eles por meio de homens como Estevão (At 7:51). Quando o juízo caiu sobre aqueles antediluvianos e eles morreram no dilúvio, seus “espíritos” separados do corpo foram lançados na “prisão” no hades para aguardar o grande dia do julgamento (Ap 20:11-15). Assim também, com os judeus incrédulos que rejeitaram a Cristo; quando eles morressem, sua alma seria “abatida até o hades” (Mt 11:21-24 – JND). Isso mostra a seriedade de desobedecer ao testemunho de Deus.
Além disso, os dias antes do dilúvio eram o tempo da “longanimidade de Deus” quando Ele esperou para salvar qualquer um que tivesse fé antes que o juízo caísse (Gn 7:4). Na época em que foi escrita esta epístola, Deus estava aguardando de forma similar em longânime paciência por qualquer um dos judeus se voltasse para Cristo antes que Seu juízo caísse sobre a nação. Isso ocorreu em 70 d.C., quando os exércitos romanos destruíram a cidade de Jerusalém e massacraram os judeus (Mt 22:7). Assim como um pequeno remanescente da humanidade escapou do juízo do dilúvio (apenas “oito almas”), assim também um pequeno remanescente da nação foi poupado desse juízo fugindo para Cristo em busca de refúgio (Hb 6:18-20). Os historiadores nos dizem que os Cristãos judeus em Jerusalém e arredores levaram a sério a exortação do Senhor em Lucas 21:20-24 e o chamado de Hebreus 13:13 e se mudaram para a área remota de Pela além do rio Jordão, que os romanos deixaram intocada e assim, escaparam do juízo.
Cristo Desceu ao Hades para Pregar para os Perdidos?
Alguns pensam que esses versículos ensinam que depois da morte de Cristo, mas antes de ressuscitar dentre os mortos, Ele foi em espírito às regiões dos condenados para lhes proclamar Sua vitória sobre o pecado na cruz. Esta ideia é errônea por várias razões:
Em primeiro lugar, a prisão das almas perdidas é uma condição de “tormento” (Lc 16:23). Se Cristo foi lá, Ele entrou em um estado de sofrimento! Isso significa que Ele não apenas sofreu na cruz (v. 18), mas também sofreu entre os condenados no hades! (v. 19). A Escritura em lugar algum ensina isso.
Segundo, visto que a pregação do “evangelho” sempre anuncia algum tipo de bênção (1 Pe 4:6), se Cristo fosse à prisão dos condenados para pregar, Ele deveria estar ali oferecendo algum tipo de bênção àquelas almas perdidas! Que bênção poderia haver para eles? Isso implica que eles receberiam uma segunda chance de serem salvos, e se assim fosse, eles não estavam em um estado “fixo” de condenação, no qual a Escritura ensina que estão todos os perdidos que partiram (Lc 16:26 – JND). Essa ideia se presta ao erro católico do purgatório – que é possível recuperar os perdidos que morreram em seus pecados, de sua condição de condenação. Novamente, a Escritura não ensina tal coisa. A verdade é que o Filho do Homem tem “na Terra autoridade para perdoar pecados”; Ele não tem poder para perdoar os pecados daqueles que passaram da Terra e estão no hades (Mt 9:6).
Em terceiro lugar, se Cristo realmente entrou nas regiões dos condenados para pregar àqueles que morreram no dilúvio, deixa-nos a questão de por que Ele pregaria somente a eles, e não daria aos outros entre os condenados uma segunda chance de serem salvos também. Isso apresenta Deus como sendo injusto. Novamente, a Bíblia não ensina isso.
Alguém pode dizer: “Mas Cristo entrou no hades depois que morreu” (At 2:27). Isso é verdade; mas Ele estava no “paraíso” (um estado de felicidade) quando Ele esteve no hades (Lc 23:43). Ele não estava na “prisão” (um estado de tormento). Um olhar cuidadoso nesta passagem mostra que a pregação que Cristo fez foi “nos dias de Noé” por meio do Espírito Santo; não foi no intervalo entre Sua morte e ressurreição. É lamentável que a divisão entre os versículos 19 e 20 separe o ato da pregação de Cristo do tempo de Sua pregação, e isso levou alguns à sua ideia errada.
Salvo Pela Água – Uma Figura do Batismo
Vs. 21-22 – Noé e sua família se “salvaram pela água” (v. 20b). Este fato estabelece uma figura do que o batismo faz pelos crentes judeus. Pedro diz: “Que também, como uma verdadeira figura, agora nos (KJV) salva, batismo, (não do despojamento da imundícia da carne, mas da indagação de uma boa consciência para com Deus), pela ressurreição de Jesus Cristo; O Qual está à destra de Deus, tendo subido ao céu: havendo-se-Lhe sujeitado os anjos, e as autoridades, e as potências”. O dilúvio tirou Noé e sua família do mundo, que transbordou com água. Aquelas águas “salvaram” a família de Noé removendo-os do mundo antigo e colocando-os em um novo mundo que estava além do juízo do dilúvio. Assim, as próprias águas que salvaram a família de Noé foram aquelas que levaram os incrédulos! O que foi uma bênção para um, foi o juízo para o outro. Da mesma forma, a ordenança do batismo dissocia uma pessoa simbolicamente de sua antiga vida no mundo e a associa a uma nova posição na Terra, onde ela vive com Cristo “em novidade de vida” (Rm 6:3-5; Gl 3:27). Portanto, era imperativo que os crentes judeus fossem batizados; isto os dissociou da nação culpada que crucificou a Cristo e formalmente os identificou com a nova posição Cristã de privilégio na Terra (At 2:38). “Nos salva” neste versículo 21 refere-se aos crentes judeus.
Ao dizer, em um parêntese: “não do despojamento da imundícia da carne”, Pedro esclareceu que não estava se referindo aos “batismos” do Velho Testamento de lavagens cerimoniais a que os sacerdotes eram submetidos para purificarem seu corpo na preparação para seu serviço no santuário (Hb 6:2). Ele estava se referindo ao batismo Cristão, que significa nossa identificação com a morte de Cristo, que é “a indagação de uma boa consciência para com Deus”. L. M. Grant explicou o seguinte: “Ele expressou um desejo ou demanda de uma boa consciência; ele mesmo não dá uma boa consciência, mas desde que o batismo é para Cristo, aponta para Ele, que dá uma boa consciência. Isto é sugerido na última frase do versículo 21 – ‘pela ressurreição de Jesus Cristo’. O batismo não teria sentido se Cristo não tivesse ressuscitado dentre mortos” (Comments on the Books of First and Second Peter, pág. 33). Assim, o batismo salva os judeus crentes (externamente) do julgamento governamental de Deus que estava sobre a nação (Sl 69:22-27; At 2:40). Noé saiu do dilúvio para começar uma nova vida em um novo mundo; isto nos fala da nova posição na Terra na qual o batismo nos coloca, onde somos identificados com Cristo em ressurreição.
Pedro não para na ressurreição de Cristo, mas continua falando de Sua ascensão também. Ele diz: “O Qual está à destra de Deus, tendo subido ao céu: havendo-se-Lhe sujeitado os anjos, e as autoridades, e as potências” (v. 21). Ele menciona isso para mostrar que aqueles que são batizados para Cristo são colocados diretamente sob a autoridade e o controle de Cristo nas alturas. O crente batizado, portanto, deve viver no bem que o seu batismo significa e cortar sua ligação com o mundo praticamente, com o qual ele uma vez esteve associado. Isso envolveria dar um adeus formal à antiga posição judaica sobre a qual ele estava como judeu no judaísmo, e que estava sob julgamento iminente.