Origem: Livro: As Epístolas de JOÃO e JUDAS
Vários Atributos Morais da Natureza Divina
Neste ponto, João retoma suas provas e contraprovas sobre os que são e os que não são filhos de Deus. A próxima coisa que ele sustenta são as características morais da natureza divina. Portanto, ser “nascido de Deus”, que é o meio pelo qual recebemos a vida divina, é apropriadamente mencionado várias vezes na última parte da epístola (caps. 2:29, 3:9 [duas vezes], 5:1, 4, 18 [duas vezes]). Os traços característicos da natureza divina manifestaram-se perfeitamente em Cristo quando Ele estava aqui, e podem ser vistos nos filhos de Deus agora, embora às vezes obscurecidos em nós.
J. N. Darby declara que há três provas da posse da vida divina por uma pessoa nesta passagem (Synopsis of the Books of the Bible, edição de Loizeaux, págs. 508-515). São elas:
A Prova de Praticar a Justiça (Caps. 2:29-3:10)
A primeira prova da vida divina que João toca é a justiça. Ele diz: “Se sabeis que Ele é justo, sabeis que todo aquele que pratica a justiça é nascido d’Ele” A justiça é “fazer o que é correto”. A injustiça é “fazer o que não é correto”. É inquestionável que Deus é absolutamente justo. No entanto, João afirma esse fato óbvio e o usa como o teste da profissão de uma pessoa. Seu ponto aqui é que, já que Deus é justo, todos os que têm a Sua vida também serão justos, por terem “nascido d’Ele”. Assim, os filhos de Deus se manifestarão como tais pela prática da justiça, pois as características morais do Pai serão vistas neles. Isso, então, pode ser usado como referência para testar todas as pessoas que professam ser filhos de Deus. Simplificando, um filho de Deus praticará a justiça e aquele que não é um verdadeiro filho de Deus não o fará.
João usa a palavra “pratica” repetidamente nesses versículos em conexão com a justiça (fazendo o que é correto) e a ilegalidade (fazendo nossa própria vontade em independência de Deus). Ele está falando do teor geral da vida de uma pessoa – algo que é habitual e característico dela – e não o que ela possa fazer que seja contrário ao caráter. Assim, os filhos de Deus, embora imperfeitos em seus caminhos, praticam a justiça de maneira característica. É o mesmo com aqueles que são incrédulos; a vida deles é caracterizada pela prática da ilegalidade. Eles podem fazer algo, de vez em quando, que pareça ser justo, mas o que os caracteriza é a busca das coisas do mundo; esse é o hábito da vida deles.
Amado do Pai
Cap. 3:1 – João faz uma pequena digressão para explicar onde os filhos de Deus adquirem o poder moral para praticar a justiça – isso é produzido pela contemplação do amor do Pai. Por isso, ele diz: “Vede quão grande amor nos tem concedido o Pai: que fôssemos chamados filhos [as crianças – JND] de Deus” (ARF). (A KJV e as versões em português dizem “filhos”, mas deveria ser traduzido como “crianças”. A filiação, que é a linha distintiva de verdade apresentada por Paulo; não é o assunto aqui).
Em João 3:16, o apóstolo se concentra na medida do amor de Deus aos perdidos; aqui em 1 João 3:1, ele se concentra sobre a maneira do amor do Pai para com Seus filhos. Somos os objetos do Seu amor! Ele quer que não apenas conheçamos esse fato maravilhoso, mas que vivamos no gozo dele. Viver no sentido consciente de que somos amados perfeita e eternamente pelo Pai é uma forte motivação para praticarmos a justiça. De fato, Ele nos ama tanto quanto ama Seu próprio Filho! (Jo 17:23)
Tão querido, muito querido a Deus,
Eu não posso ser mais querido;
O amor com o qual Ele ama o Filho
Tal é o Seu amor para comigo!
Hinário The Little Flock nº 27 – Apêndice
Ter essa ligação com o Pai e o Filho por meio da posse da vida eterna nos desconecta moralmente do mundo – pois os dois são diametralmente opostos (cap. 2:15-16). O mundo não conheceu a Cristo quando esteve aqui (Jo 1:10); os homens eram tão cegos que achavam que Ele tinha um demônio! (Jo 8:48) E o mundo também não conhece os filhos de Deus. João enfatiza isso, afirmando: “Por isso, o mundo não nos conhece, porque não conhece a Ele”. Isso significa que não podemos esperar que as pessoas deste mundo entendam nossas fontes interiores e motivos para viver para Cristo e praticar a justiça. Ser guiado e controlado pelas realidades celestiais invisíveis que capturaram as afeições de nosso coração é um completo mistério para o homem do mundo. Todas essas realidades estão ocultas para ele, pois a fonte da nossa vida está “escondida com Cristo em Deus” (Cl 3:3).
V. 2 – João acrescenta: “Amados, agora somos filhos [crianças – JND] de Deus, e ainda não é manifesto o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando Ele Se manifestar, seremos semelhantes a Ele; porque assim como é O veremos”. Assim, nosso relacionamento com Deus como Seus “filhos” não é algo pelo qual estamos esperando – nós já o temos “agora”. Fisicamente, não parecemos nada diferentes das pessoas deste mundo porque ainda estamos em nosso corpo de “humilhação”, que mostra os sinais de envelhecimento, doença, dor, tristeza etc., como todos os da raça humana (Fp 3:21). Mas quando Cristo aparecer do céu para julgar este mundo em justiça (Sl 96:13; At 17:31), viremos com Ele (Zc 14:5; 1 Ts 3:13, 4:14; Jd 14; Ap. 19:14), e seremos “semelhantes a Ele” em glória (Fp 3:21; Cl 3:4; 2 Ts 1:10). O mundo saberá então que somos filhos de Deus e que somos amados pelo Pai! (Jo 17:23)
João diz que nossa certeza desta realidade está no fato de que nós “O veremos como Ele é” (TB). Isso ocorrerá no Arrebatamento, uns sete anos antes da Aparição de Cristo. Nota: ele não diz que vamos vê-Lo como Ele era, mas como Ele é. Assim, vamos ver a Ele como um Homem glorificado e, nesse momento, seremos transformados instantaneamente à Sua semelhança em glória! O apóstolo Paulo disse: “Assim como trouxemos a imagem do terreno, também traremos a imagem do celestial” (1 Co 15:49). Essa transformação maravilhosa acontecerá “num momento, num abrir e fechar [num piscar – JND] de olhos, ao som da última trombeta” (1 Co 15:52 – TB; 1 Ts 4:16). Que momento será esse!
V. 3 – João continua falando do efeito prático que essa esperança (de ver a Cristo como Ele é) tem sobre os filhos de Deus. Ele diz: “E qualquer que n’Ele tem esta esperança purifica-se a si mesmo, como também Ele é puro”. Assim, saber que em breve vamos ser feitos como Cristo (moral e fisicamente) produz um exercício em nós para ser moralmente como Ele agora, enquanto esperamos Sua vinda. Todo verdadeiro crente que tem essa esperança diante d’Ele “purifica-se a si mesmo”, removendo coisas de sua vida que são inconsistentes com a santidade de Deus (2 Co 7:1; 1 Pe 1:15-16). O padrão ao qual nos dirigimos nesta purificação prática de nossa vida é a própria pureza de Cristo – “como também Ele é puro”. Ele “não conheceu pecado” (2 Co 5:21), Ele “não cometeu pecado [não pecou – JND]” (1 Pe 2:22), e “n’Ele não há pecado” (1 Jo 3:5). Nota: João não diz que nos purificamos como Cristo Se purificou, porque Cristo nunca precisou de purificação – Ele é puro e não poderia ser mais puro! Portanto, essa esperança, se entendida corretamente, tem um efeito santificador no crente.
Justiça e Iniquidade
V. 4 – Enquanto o verdadeiro filho de Deus será conhecido por estar “aperfeiçoando a santificação” em sua vida enquanto espera o Senhor chegar, aquele que simplesmente professa ser um filho de Deus não terá nenhuma preocupação com tal coisa. Isso ficará evidente em sua vida. Este foi o caso dos mestres gnósticos. Eles ostentavam ter maior conhecimento espiritual, mas eram bem descuidados na santidade pessoal. João, portanto, prossegue para definir a verdadeira natureza do pecado e, ao fazê-lo, expõe esses charlatães. Ele diz: “Qualquer que comete pecado também comete iniquidade, porque o pecado é iniquidade”. Ao afirmar isso, João não está falando de um crente falho cometendo um pecado, mas de uma pessoa que “pratica” (ARA) o pecado como uma característica em sua vida. Seu caráter geral prova que ele não é um verdadeiro filho de Deus, embora possa professar ser um.
As versões King James e a Almeida Atualizada apresentam este versículo incorretamente: “o pecado é a transgressão da lei”. Se isso fosse verdade, então teríamos que dizer que não havia pecado no mundo até que Deus deu a Lei a Moisés! Isso não pode ser verdade; contradiz Romanos 5:12-14, que afirma que o pecado estava no mundo antes da lei. A nota de rodapé da Tradução de J. N. Darby diz: “Traduzir que o ‘pecado é a transgressão da Lei’, como na AV [Versão Autorizada – a KJV] é errado, e dá uma falsa definição de pecado, pois o pecado estava no mundo e a morte como consequência, antes de a Lei ter sido dada”. Deveria ser dito: “O pecado é ilegalidade (ou ausência de lei)” (JND). Ausência de lei é fazer nossa própria vontade em independência de Deus. É o exercício da vontade própria.
V. 5 – João acrescenta o feliz antídoto que, embora tenhamos pecado e ficado aquém da glória de Deus (Rm 3:23), Cristo “Se manifestou para tirar os nossos pecados” e nos levar a um relacionamento com Deus. Ele veio para resolver a questão do pecado para a glória de Deus e para a bênção da humanidade. Sua obra de expiação na cruz afastou o pecado de diante de Deus judicialmente (Hb 9:26) e, em um dia vindouro, Ele vai tirar todo o efeito do pecado deste mundo literalmente e trazer um estado eterno de impecabilidade. (Jo 1:29; Ap 21:1-8). Enquanto isso, Ele está tirando a culpa do pecado daqueles que creem, salvando a alma e purificando a consciência deles (Hb 9:14). Ao falar de Cristo como o grande Emissário do pecado, João tem o cuidado de distingui-Lo de todos os outros homens, afirmando: “E n’Ele não há pecado”. Isso significa que Ele não tinha uma natureza caída pecaminosa como os outros homens têm; Sua natureza era, e é, santa (Lc 1:35).
V. 6 – Depois de termos nossos pecados tirados quando recebemos a Cristo como nosso Salvador, João dá o caminho simples de Deus pelo qual somos impedidos de pecar depois disso. Ele diz: “Todo aquele que permanece n’Ele não peca”. Permanecer em Cristo é viver em constante comunhão com Ele (Jo 15:4). Não pecaremos quando estivermos na presença do Senhor em comunhão com Ele. De acordo com seu estilo, João fala de uma maneira absoluta – afirmando o estado normal dos filhos de Deus. (É triste dizer que é quando saímos da comunhão com Ele que pecamos.) Por outro lado, “qualquer que peca não O viu nem O conheceu”. João fala aqui de uma pessoa que vive em um estado contínuo de ilegalidade, que é o estado normal dos incrédulos. Ele diz que tal pessoa realmente não conhece o Senhor. Nota: João não diz: “Todo aquele que comete um pecado …” porque ele não está falando de atos individuais de pecado, mas do teor geral da vida de uma pessoa.
As Duas Naturezas Contrastadas
Vs. 7-10 – Por causa da presença do pecado e dos homens pecaminosos neste mundo, João continua exortando os filhos de Deus a ficarem em guarda contra os enganos dos falsos mestres que procuravam oportunidades para se infiltrar entre os santos e desviá-los. Para ajudá-los a identificar esses falsos obreiros, João faz uma breve dissertação sobre as características básicas das duas naturezas – a velha natureza herdada do nascimento natural por meio de nossos pais (Sl 51:5) e a nova natureza comunicada por Deus por meio do novo nascimento (Jo 3:3-8). Ele não vê essas duas naturezas em uma pessoa (ou seja, um crente), mas abstratamente – as quais caracterizam os crentes e os incrédulos.
Ele nos dá um teste simples pelo qual toda pretensão de se ter a natureza divina pode ser testada. Ele diz: “Quem pratica justiça é justo, assim como Ele é justo. Quem comete o pecado é do diabo, porque o diabo peca desde o princípio” (vs. 7-8). Assim, aqueles que são verdadeiros podem ser distinguidos daqueles que são falsos, olhando para a prática geral de sua vida, pois aquilo que um homem “pratica” indica seu caráter. O verdadeiro praticará a justiça e o falso mestre praticará o pecado (ilegalidade); por isso, seu verdadeiro caráter será manifestado. Isso mostra que a posse da nova natureza não é provada pela profissão que um homem faz, mas pela maneira como ele age no que diz respeito à prática. Portanto, não devemos ser ingênuos e ser enganados por um comentário casual que uma pessoa possa fazer que soe como se tivesse fé em Cristo. Sua verdadeira identidade será conhecida pelo caráter de sua vida.
Se uma pessoa caracteristicamente pratica o pecado, é claro que ele é “do diabo”. O diabo é caracterizado pela rebelião sem lei contra Deus e praticou o pecado “desde o princípio”. O princípio de que João está falando aqui não poderia ser o começo de Satanás como uma criatura. Se fosse assim, então Deus poderia ser acusado de criar uma criatura maligna, o que não é verdade. Deus não criou Satanás como o diabo; ele se tornou o diabo por meio de rebelião. João está se referindo ao começo (a origem) do pecado no universo moral, que começou com a revolta de Satanás contra Deus (Ez 28:11-19). Alguns pensam que o pecado teve seu início na queda de Adão (Gn 3), porque Romanos 5:12 diz: “por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte”. No entanto, esse versículo não está se referindo ao pecado e à morte que entram na criação primitiva, mas ao pecado e à morte que entram na raça humana (o mundo Adâmico). É um erro pensar que o pecado não existiu até a queda de Adão. Satanás e seus anjos caíram antes que Adão caísse e são claramente os primeiros pecadores. Que Satanás era um pecador antes de Adão pode ser visto no fato de que ele estava pecaminosamente trabalhando no jardim do Éden, mentindo e enganando a mulher antes que ela e seu marido pecassem. Em Romanos 5:12, Paulo traça a entrada do pecado na raça humana, enquanto João nos leva de volta à origem do pecado.
Ele acrescenta: “Para isto o Filho de Deus Se manifestou: para desfazer as obras do diabo” (v. 8b). O diabo tem trabalhado no coração dos homens por intermédio da velha natureza do pecado, enchendo os homens de incredulidade e rebeldia. O Senhor veio para “desfazer” aquelas más obras no coração dos homens, dando vida eterna àqueles que creem n’Ele (Jo 10:10). E aqueles que creem podem viver uma vida sem pecado, acima da influência maligna do diabo, porque “Qualquer que é nascido de Deus não comete [não pratica – JND] pecado; porque a Sua semente permanece nele; e não pode pecar, porque é nascido de Deus” (v. 9). Muitos crentes sinceros ficaram perturbados por este versículo. Não entendendo o estilo abstrato de escrita de João, concluíram que não eram nascidos de novo, como pensavam que eram, porque pecaram depois de receberem a Cristo. No entanto, este versículo não significa que um crente não pode pecar. A palavra de João no capítulo 2:1 seria inútil se fosse esse o caso. Ele indica que um crente pode pecar se não for cuidadoso. O ponto de João aqui é que a nova natureza em um crente, recebida em novo nascimento, não pode pecar. Isso significa que, se vivermos segundo os apetites e desejos de nossa nova natureza, não pecaremos. Assim, ele vê o crente como totalmente identificado com a nova natureza.
V. 10 – João então resume as características básicas das duas naturezas. Ele diz: “Nisto são manifestos os filhos de Deus e os filhos do diabo: qualquer que não pratica a justiça e não ama a seu irmão não é de Deus”. De uma perspectiva moral e espiritual, João traça duas sementes entre os homens: aqueles que são “filhos de Deus” (Jo 1:12-13) e os que são “filhos do diabo” (Mt 13:25; Jo 8:44; At 13:10). Estas são duas famílias distintas, cada uma com um caráter que tem uma semelhança moral com o pai. Uma é “de” Deus e a outra é “do” diabo. Tendo afirmado no versículo 7 que uma pessoa que habitualmente pratica a justiça mostra claramente que ela é justa, João conclui com o reverso aqui no versículo 10. Alguém que habitualmente “não pratica a justiça” manifesta que não é de Deus. Moralmente, ele tem a mesma natureza que o diabo e, nesse sentido, é um filho do diabo. Muitas desses podem não viver uma vida escandalosamente perversa, mas eles não “praticam a justiça”, nem há “amor” divino nelas.
A Prova Do Amor (Cap. 3:11-23)
Tendo mencionado “amor” no versículo 10, João expande essa característica essencial da natureza divina nesta próxima série de versículos. É a segunda grande prova de que uma pessoa possui a vida divina. Ele diz: “Pois esta é a mensagem que ouvistes desde o princípio: que nos amemos uns aos outros. Não como Caim, que era do maligno, e matou seu irmão. E por que causa o matou? Porque as suas próprias obras eram más e as do seu irmão justas”.
Amor pelos Irmãos
O antigo mandamento, que em certo sentido é novo (cap. 2:7-8), que é “que vos ameis uns aos outros” é revisitado como evidência da vida divina. Como foi no caso da justiça prática, o amor foi perfeitamente manifestado na vida do Senhor Jesus. Caim é apresentado como o contrário dessas duas coisas. Ele manifestou rebelião e ódio – as duas características opostas de justiça e amor. Ele matou seu irmão porque o sacrifício de seu irmão foi aceito por Deus e o dele não. A aprovação de Abel por Deus despertou ódio invejoso no coração de Caim, o que o levou a matar seu irmão. Isso mostra a que o ódio descontrolado pode levar.
V. 13 – João então nos lembra de que, ao manifestar essas duas características da natureza divina – o que faremos se verdadeiramente formos filhos de Deus – teremos o ódio do mundo derramado sobre nós. Ele diz: “Irmãos, não vos maravilheis se o mundo vos odeia”. Isso não deveria causar surpresa a qualquer filho de Deus; o Senhor avisou os discípulos disso (Jo 15:18-16:4). Os princípios do mal que foram manifestados pela primeira vez em Caim marcaram o curso do mundo desde então.
V. 14 – Na presença do ódio do mundo, sabemos que passamos “da morte para a vida” (Jo 5:24 – ARA) porque amamos os irmãos. A atividade do amor divino é a prova prática da vida divina. Por outro lado, se uma pessoa que professa ser um filho de Deus não ama seus irmãos, ele prova que não é filho de Deus – na verdade, ele “permanece na morte (moral)”.
Vs. 15-16 – João então contrasta o exemplo extremo de ódio com o maior exemplo de amor. Ele diz: “Todo o que odeia seu irmão é homicida; e vós sabeis que nenhum homicida tem a vida eterna permanecendo nele. Nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a Sua vida por nós; e nós devemos dar a vida pelos irmãos” (AIBB). O ódio leva ao homicídio, mas o amor leva ao sacrifício de si mesmo pelo bem dos outros. O sacrifício de Cristo é o exemplo perfeito do último – Ele “deu a Sua vida por nós” (1 Jo 3:16; Jo 10:11). Ambos os atos de extremo ódio e extremo amor levaram à morte! Mas foi por razões completamente diferentes – uma foi por causa da violência e a outra foi pura submissão. João diz que essa mesma expressão de amor deve ser vista nos filhos de Deus porque eles têm a mesma vida divina. Se somos verdadeiros crentes, nosso amor se expressará em ação. Serviremos “uns aos outros pelo amor” (Gl 5:13) e colocaremos “nossa vida” a serviço de nossos irmãos. O amor prático é uma prova genuína de que somos verdadeiros.
V. 17 – Em contraste, ele diz: “Quem, pois, tiver bens do mundo, e, vendo o seu irmão necessitando, lhe fechar o seu coração, como permanece nele o amor de Deus?” (AIBB) Alguém que professa ter a vida divina, mas não manifesta amor e compaixão para com seu irmão – se essa for a prática habitual de sua vida – prova que ele não é um verdadeiro filho de Deus.
V. 18 – Conhecendo a falsidade do coração humano (Jr 17:9), João nos adverte sobre ter meras expressões superficiais de amor (Veja Tiago 2:15-16). Ele diz: “Filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas por obras e em verdade” (AIBB). Os apóstolos Paulo e Pedro exortam os santos para esse fim também (Rm 12:9; 1 Pe 1:22). Isso mostra que Deus quer a veracidade em Seu povo.
Confiança na Oração
Vs. 19-22 – João acrescenta: “E nisto conhecemos que somos da verdade e diante d’Ele asseguraremos nosso coração; sabendo que, se o nosso coração nos condena, maior é Deus do que o nosso coração e conhece todas as coisas. Amados, se o nosso coração nos não condena, temos confiança [ousadia – JND] para com Deus; e qualquer coisa que Lhe pedirmos, d’Ele a receberemos, porque guardamos os Seus mandamentos e fazemos o que é agradável à Sua vista”. Falando estritamente dos crentes aqui, ele mostra que por ter genuíno amor por nossos irmãos, temos uma confirmação pessoal em nossa alma de que somos “da verdade”. E, sendo assim, temos confiança na presença de Deus para fazer pedidos ousados em oração. A certeza de que João fala daqui não é a garantia da salvação eterna de nossa alma, mas a certeza de ter nossos pedidos de oração concedidos.
Ele acrescenta uma condição importante que não deve ser menosprezada – “se o nosso coração nos não condena”. Isso mostra que quando nos aproximamos de Deus em oração, precisamos ter uma boa consciência. Isto é alcançado por nos julgarmos e confessarmos os nossos pecados (1 Co 11:31; 1 Jo 1:9). Se tivermos alguma coisa em nossa consciência que não tenhamos confessado, nosso coração nos condenará e não teremos essa confiança. Assumindo que nos julgamos, que é o estado Cristão normal, temos a certeza de que qualquer coisa que pedimos “d’Ele a receberemos”. Este é o resultado de andar em comunhão com Ele como algo habitual. Os desejos de nosso coração são formados por Sua influência abençoada e pelo desfrute das coisas que Ele desfruta (Sl 36:8), e assim, nossos pedidos são apenas para aquelas coisas que contribuem para a realização daqueles desejos divinos. Vivendo em Sua presença, Ele coloca em nosso coração as coisas que Ele está prestes a fazer, e pedimos por essas coisas, e elas são concedidas. Recebemos “qualquer coisa que Lhe pedirmos” porque pedimos segundo a vontade de Deus (cap. 5:14-15). Nossa confiança em Sua presença é um resultado de nossa obediência – nós “guardamos os Seus mandamentos” e “fazemos o que é agradável à Sua vista”. Cristo, como um Homem dependente na Terra, é um exemplo vivo disso. Ele sempre fez aquelas coisas que agradaram a Seu Pai (Jo 8:29), e Ele sempre orou em harmonia com a vontade de Deus, e Ele foi “ouvido por causa de Sua piedade” (Hb 5:7 – ARA).
V. 23 – João falou dos mandamentos do Senhor (plural), agora ele fala do “mandamento” de Deus (singular). É “que creiamos no nome de Seu Filho Jesus Cristo e nos amemos uns aos outros, segundo o Seu mandamento”. Vemos aqui dois elementos essenciais da nova natureza – fé e amor. Essas coisas serão vistas em todo crente, embora às vezes apenas fracamente. Aquele que não é um verdadeiro filho de Deus não manifestará essas coisas.
A Prova de Ter a Habitação do Espírito Santo (Cap. 3:24-4:6)
Como uma terceira prova de alguém que possui a natureza divina, João continua falando da presença do Espírito Santo no crente, pela qual o próprio Deus habita em nós. Ele diz: “E aquele que guarda os Seus mandamentos n’Ele está, e Ele nele. E nisto conhecemos que Ele está em nós: pelo Espírito que nos tem dado”. Há duas coisas aqui:
- Nossa permanência n’Ele – Isto é uma coisa prática, tendo a ver com manter comunhão íntima com Ele. Como João indica aqui, esse é o resultado da obediência pessoal – o guardar os Seus mandamentos (Jo 14:21, 23, 15:4).
- Sua permanência em nós – Esta é uma coisa permanente resultante de termos a natureza divina (Jo 14:20).
Ambos os aspectos da permanência são um resultado da presença do Espírito Santo em nós. Esta, então, é outra prova pela qual toda pretensão de ser filho de Deus pode ser testada. Uma pessoa que não é um verdadeiro filho de Deus não terá a presença interior do Espírito. Consequentemente, ele não permanecerá em comunhão com o Senhor, nem terá a presença permanente de Deus nele. Isso será evidente em suas ações.
Falsos Mestres
Cap. 4:1 – Tendo introduzido o assunto do Espírito Santo habitando nos filhos de Deus no capítulo 3:24, João se apressa em nos advertir neste capítulo sobre os muitos espíritos falsos que estão por todo o mundo tentando imitar o Espírito de Deus. Ele diz: “Amados, não creiais em todo espírito, mas provai se os espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo”. Seu ponto aqui é que, já que é “a última hora” e muitos anticristos estão em atividade (cap. 2:18), precisamos ter cuidado quanto a quem escutamos. Não devemos crer “em todo espírito”. Isso significa que não devemos ser ingênuos e pensar que só porque um homem fala da Bíblia que está necessariamente falando a verdade. Uma coisa é falar das Escrituras e outra é falar de acordo com as Escrituras. Satanás nunca é mais satânico em sua atividade do que quando usa as Escrituras para enganar as pessoas. Ele é bem capaz de citar a Palavra de Deus e aplicá-la erroneamente para alcançar o seu fim de desviar as pessoas (Mt 4:6). O apóstolo Paulo advertiu: “E não é maravilha, porque o próprio Satanás se transfigura em anjo de luz. Não é muito, pois, que os seus ministros se transfigurem em ministros da justiça” (2 Co 11:13-15).
Com isso em mente, João nos exorta a submeter à prova “os espíritos”. Ele não usa a palavra “espíritos” para indicar a atitude ou conduta dos mestres (Dn 5:12, 6:3), mas sim para indicar que por trás de todo mestre há um espírito real – seja o Espírito de Deus (At 2:4) ou um espírito maligno (2 Cr 18:21). Paulo predisse que nos “últimos tempos” haveria “espíritos sedutores” (KJV) na casa de Deus que introduziriam o erro doutrinário, e que os falsos mestres absorveriam e propagariam essas doutrinas errôneas, e desencaminhariam muitos (1 Tm 4:1). Esses mestres geralmente têm uma aparência agradável com o qual as pessoas ficam encantadas e são enganadas (Rm 16:18). Eles podem se parecer com ovelhas, mas são realmente “lobos vestidos como ovelhas”. O Senhor nos avisou sobre esses obreiros malignos (Mt 7:15). Assim, não é apenas a maneira de eles serem que devemos testar (o que João fez em suas provas e contraprovas anteriores), mas também a mensagem deles. Isto é especialmente verdade quando se trata da “doutrina de Cristo” (2 Jo 9), pois é onde os espíritos malignos que inspiram esses falsos profetas se expõem. No momento em que abrem sua boca e ensinam sobre o tema da Pessoa de Cristo, revelam seu verdadeiro caráter.
Três Testes para Detectar Falsos Mestres
João passa a dar três testes pelos quais cada mestre pode ser verificado. Esses testes manifestarão aqueles que são verdadeiros e exporão aqueles que são falsos, pois a doutrina de um homem revelará qual espírito o está energizando. Nota: isso não é feito por investigar as falsas doutrinas que estão em andamento na Cristandade. Tal ocupação somente nos corromperá, e poderemos tropeçar no processo (Compare com Deuteronômio 12:29-32). Da mesma forma, não descobrimos se uma dúzia de garrafas contêm veneno tomando um gole de cada uma delas!
Vs. 2-3 – O primeiro e maior teste tem a ver com o que o mestre considera sobre a Pessoa de Cristo. Como mencionado, é aqui que esses espíritos sedutores são expostos, pois não conseguem falar bem de Cristo e exaltá-Lo (1 Co 12:3). João diz: “Nisto conhecereis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus”. Assim, a marca distinta do ministério que emana do Espírito Santo é que Cristo será exaltado.
Confessar “que Jesus Cristo veio em carne” é mais do que uma mera confissão de palavras de nossos lábios; os demônios podem confessar Cristo como o Filho de Deus só de lábios (Mt 8:29). A confissão de que João fala indica que a pessoa é sã em sua doutrina sobre a Divindade de Cristo e Sua Humanidade perfeita. “Veio em carne” significa que Ele existia antes de Sua encarnação e, portanto, é uma Pessoa eterna. A palavra “veio” dá a entender que Ele estava em outro lugar antes de estar aqui neste mundo como Homem (1 Tm 1:15, etc.). A Escritura ensina que Ele estava com o Pai no céu antes de Sua encarnação (Jo 8:42, 13:3, 16:28). De fato, o evangelho de João O retrata como O “Enviado” de Deus (Jo 3:17, 4:34, 5:23, etc.). “Veio em carne” é algo que não pode ser dito de nós, pois não existíamos antes da nossa concepção e nascimento. No entanto, na encarnação de Cristo, Ele tomou a humanidade em união com a Sua Pessoa e Se tornou um Homem (Jo 1:14). Havia uma união das naturezas divina e humana que é inescrutável para a mente humana (Mt 11:27). Vir “em carne” indica que quando o Senhor Jesus Se tornou Homem, Ele não tinha a natureza caída pecaminosa. “Carne”, sem o artigo definido “a” se refere à humanidade, sem as implicações da natureza pecaminosa. O artigo “a” antes de “carne” na versão King James não está no texto da tradução de J. N. Darby (nem nas ARC e ARF). Isso ajuda a evitar qualquer conclusão de que o Senhor tenha participado da natureza caída pecaminosa quando Se tornou um Homem. Ele tinha uma natureza humana santa, não uma natureza humana caída (Lc 1:35).
João então apresenta o lado oposto: “e todo espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus; mas este é o espírito [poder – JND] do anticristo, do qual já ouvistes que há de vir, e eis que está já no mundo”. Se um homem professar ser um Cristão, mas não acredita na divindade e/ou na plena humanidade de Cristo, ele está dando uma indicação clara de que não é um verdadeiro crente. Ele prega “outro Jesus” (2 Co 11:4). Isto é, o Jesus que ele apresenta não é o mesmo Jesus que a Bíblia apresenta. Portanto, a pergunta a ser feita, que revelará quem realmente a pessoa é: “O que ele considera a respeito da Pessoa de Cristo?” Todos esses ensinamentos falsos serão imediatamente expostos como sendo o “espírito [poder – JND] do anticristo” por este simples teste.
Vs. 4-5 – O segundo teste pelo qual todos os profetas e mestres podem ser verificados tem a ver com como as pessoas perdidas e sem vida do mundo tratam a mensagem deles. João diz: “Filhinhos, sois de Deus e já os tendes vencido, porque maior é o que está em vós do que o que está no mundo. Do mundo são; por isso, falam do mundo, e o mundo os ouve”. Os filhos de Deus “vencem” esses mestres e suas falsas doutrinas por meio da habitação do Espírito Santo. “Ele” (o Espírito) que, “em” nós está é “maior” do que “ele (Satanás) que está no mundo”. João já falou de como isso é feito no capítulo 2:20-27. A unção do Espírito nos dá discernimento para saber que o que esses falsos mestres estão apresentando é falso e, consequentemente, nós o rejeitamos, e assim somos preservados. Dessa forma, somos vitoriosos sobre as artimanhas do inimigo.
Por outro lado, se os ensinamentos desses homens são recebidos por pessoas religiosas deste mundo que não são nascidos de Deus, é claro que sua mensagem é falsa. As coisas que eles ensinam sob a bandeira do Cristianismo concordam com a perspectiva do homem natural do mundo, porque elas são fundadas em princípios mundanos que as pessoas mundanas entendem. Portanto, eles os recebem. Assim, algumas perguntas simples revelarão tudo o que precisamos saber sobre esses falsos mestres – “Eles são populares para o mundo? E os homens naturais do mundo recebem seu ensino?” Se eles o fazem, então o que está sendo ensinado não pode ser a verdade de Deus, porque “o homem natural não compreende [não recebe – JND] as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (1 Co 2:14).
V. 6 – O terceiro teste pelo qual todos os mestres podem ser verificados tem a ver com a posição que eles assumem em relação aos ensinamentos dos apóstolos. João diz: “Nós somos de Deus; aquele que conhece a Deus ouve-nos; aquele que não é de Deus não nos ouve. Nisto conhecemos nós o espírito da verdade e o espírito do erro”. O “nós” e o “nos” neste versículo se referem aos apóstolos. João se inclui na voz coletiva deles. Eles são “de Deus” e todo verdadeiro filho de Deus receberá seus ensinamentos como sendo aquilo que vem de Deus. Essa, então, é uma referência pela qual todos os que professam ensinar a verdade podem ser testados. A grande questão aqui é: “O ensino deles coincide com o ensino dos apóstolos?”
Tendo em nossas mãos as epístolas divinamente inspiradas do Novo Testamento, nas quais a doutrina dos apóstolos é cuidadosamente revelada, podemos “julgar” a fonte de todo ministério se é de Deus ou não (1 Co 10:15, 14:29). Temos que ter cuidado aqui porque o inimigo (Satanás) é muito sutil. Seus falsos ministros usarão as Escrituras para propagar seus erros, e poderemos ser enganados por suas inteligentes interpretações equivocadas. É, portanto, importante ter “boa doutrina”, sobre a qual temos “seguido plenamente” num estudo minucioso de todos os assuntos bíblicos (1 Tm 4:6 – JND; 2 Tm 2:15).
Em conclusão, se o Espírito de Deus verdadeiramente habita em uma pessoa, ela será saudável em sua doutrina quanto à Pessoa de Cristo (vs. 2-3). Além disso, ela não será enganada pelos ensinos anticristãos em virtude da unção do Espírito (vs. 4-5). E ela ouvirá e receberá a doutrina dos apóstolos (v. 6).
Resumo das Provas de Ter a Nova Vida e Natureza
- Praticamos a justiça (caps. 2:29-3:10).
- Amamos os irmãos (cap. 3:11-23).
- Temos a habitação do Espírito de Deus em nós (cap. 3:24-4:6).
