Origem: Livro: Duas Naturezas
Vivificado
A epístola de Paulo aos Efésios começa com a condição do homem diante de Deus – morto! “Estando vós mortos em ofensas e pecados, em que, noutro tempo, andastes, segundo o curso deste mundo” (Ef 2:1-2). Não se está falando de morte física, pois somos encontrados andando nessa condição; é o nosso estado espiritual. A Epístola aos Romanos aborda as coisas de uma perspectiva um pouco diferente – embora a conclusão quanto à condição do homem seja a mesma. Nos primeiros três capítulos de Romanos, a humanidade está em julgamento – é verdadeiramente um cenário judicial no tribunal de Deus. “Porque do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda impiedade e injustiça dos homens que detêm a verdade em injustiça” (Rm 1:18). O julgamento abrange toda a raça humana, gentios e judeus – o judeu privilegiado é examinado em segundo lugar. O veredito é dado no terceiro capítulo (vs. 10-19). “Não há um justo, nem um sequer… sabemos que tudo o que a Lei diz aos que estão debaixo da Lei o diz, para que toda boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus” (Rm 3:10,19). O homem é pecador e digno de morte. Além disso, Romanos também nos diz que, por meio da queda de Adão, a morte foi estampada sobre o primeiro homem e sua descendência – isto está em nossa própria natureza (Rm 5:12). O homem pode pleitear um julgamento imparcial (Deus já julgou e deu Seu veredito), mas, ao que parece, os pecados que cometemos não são nada mais que o fruto da natureza que está dentro de nós. Sim, os pecados podem ser perdoados, mas não o pecado – a carne deve ser julgada pelo que é.
Se estivermos espiritualmente mortos e incapazes de produzir fruto para Deus, que esperança temos? Um homem morto não pode fazer nada. Verdadeiramente, sem Deus não há esperança. Só Deus pode dar vida ao que está morto. A palavra usada na Bíblia para dar vida é vivificar. Esta antiga palavra dá o significado preciso do grego fundamental (zoopoieo) dar vida.[5] Tanto João quanto Paulo falam da vivificação. “O espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos disse são espírito e vida” (Jo 6:63). “Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo Seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo” (Ef 2:4-5).
[5]  O grego zoopoieo é uma combinação de zoo, vida e poieo, fazer. Mercúrio [elemento químico] foi chamado de Quiksilver porque se movia; parecia estar vivo. Outro uso de quick no sentido de vivo, é quicklime, cal viva [N.T: vivificar em inglês é quickening]. ↑
A vivificação é inteiramente uma obra de Deus – a iniciativa também é Dele. Imagine alguém que se afogou, deitado morto no chão. Sua ressuscitação depende da iniciativa do médico. Ele é incapaz de avaliar seu próprio estado; ele não está em condições de buscar ajuda e é claramente incapaz de ajudar em seu próprio reviver. Vai depender da vida (do fôlego) de outro.[6]
[6]  As analogias humanas sempre falham; salientamos que a vivificação não é um reavivamento de nossa condição anterior. ↑
No livro de Ezequiel temos um quadro vívido de vivificação, embora a palavra não seja usada.[7] O assunto é o futuro reviver de Israel. Mesmo que se fale de uma nação, em vez de um indivíduo, os princípios permanecem os mesmos. “O Senhor… me pôs no meio de um vale que estava cheio de ossos… E me disse: Filho do homem, poderão viver estes ossos?” (Ez 37:1,3). Naturalmente falando, tal coisa não é possível; a resposta repousa exclusivamente com Deus. “Assim diz o Senhor JEOVÁ a estes ossos: Eis que farei entrar em vós o espírito [fôlego JND], e vivereis” (Ez 37:5). É digno de nota que a palavra para fôlego neste caso[8] é a palavra hebraica para vento ou espírito. Posteriormente, no mesmo capítulo, lemos: “E porei em vós o meu Espírito, e vivereis” (Ez 37:14). No Novo Testamento, temos um versículo que responde a isto: “O espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita” (Jo 6:63).
[7]  A palavra vivificar aparece no Velho Testamento, especificamente, no livro dos Salmos. No hebraico significa fazer viver. O contexto, entretanto, mostra que significa um reviver do espírito e não uma nova vida de Deus: “A minha alma está pegada ao pó; vivifica-me segundo a tua palavra” (Sl 119:25). É temporário: “vivifica-me novamente” (Sl 71:20 KJV). ↑
[8]  Em hebraico, a palavra para vento e espírito são uma e a mesma (ruach) – o mesmo é verdadeiro em grego (pneuma). A analogia é clara – o vento não pode ser visto, mas seus efeitos poderosos são evidentes (Jo 3:8). Em hebraico, uma palavra diferente é frequentemente usada para fôlego (nashama), mas a palavra para vento/espírito (ruach) também pode ser usada – às vezes, as duas palavras aparecem juntas: “Tudo o que tinha fôlego de espírito de vida em seus narizes [nishamat-ruach] da vida” (Gn 7:22). Existe uma forte ligação entre o fôlego e o espírito e a isso podemos acrescentar a palavra vida. ↑
No evangelho de João, temos várias ilustrações de vivificação. O enfermo do quinto capítulo esteve preso em sua aflição por 38 anos; ele não tinha força para se beneficiar do poder curativo da água. O Senhor Jesus o livra de sua enfermidade com Sua palavra: “Levanta-te, toma tua cama e anda” (Jo 5:8). Apesar do milagre extraordinário, os judeus criticaram Jesus. Na resposta do Senhor, Ele diz: “Pois assim como o Pai ressuscita os mortos e os vivifica, assim também o Filho vivifica aqueles que quer” (Jo 5:21). O poder do Pai na vivificação é compartilhado pelo Filho. Vivificação é a obra soberana de Deus. Todas as pessoas da divindade estão envolvidas na vivificação – o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Toda atividade de Deus é em Trindade. O coração do Pai é a fonte, o Filho é o agente e o Espírito é o poder. O Senhor então olha para além da cura física (uma forma de vivificação que o judeu entendia), para o estado espiritual da humanidade: “Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora, e agora é, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão” (Jo 5:25). Aqui temos a conexão entre a palavra de Deus e a vivificação. Encontramos isso também no próximo capítulo: “As palavras que eu vos disse são espírito e vida” (Jo 6:63). Foi a voz do Filho, a Ressurreição e a Vida, que tirou Lázaro do túmulo. A voz não foi alta para Lázaro (ele era incapaz de ouvir), mas para aqueles que estavam por perto. No entanto, o efeito dessa palavra sobre o morto Lázaro, foi que ele viveu.
O apóstolo Paulo aborda o assunto da vivificação de uma perspectiva diferente. João vê a vivificação no contexto de um Salvador vivo, Aquele que vivifica a quem Ele quer. O apóstolo Paulo, cuja visão celestial de um Salvador ressuscitado caracterizou seu ministério, nos vê como mortos com Cristo e ressuscitados com Ele em novidade de vida (Rm 6:4; Cl 2:12-13). No ministério de Paulo, o poder vivificador de Deus é o mesmo poder que Ele exerceu ao ressuscitar Cristo de entre os mortos. “Para que saibais… qual a sobre excelente grandeza do Seu poder sobre nós, os que cremos, segundo a operação da força do Seu poder, que manifestou em Cristo, ressuscitando-O dos mortos e pondo-O à Sua direita nos céus” (Ef 1:18, 19-20).[9] Conectada com Cristo em ressurreição, a vivificação agora nos coloca em uma esfera totalmente diferente: “Deus… nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com Ele, e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus” (Ef 2:4-6). A nova vida que possuímos nos leva a novas associações: “quando estáveis mortos nos pecados e na incircuncisão da vossa carne, vos vivificou juntamente com Ele, perdoando-vos todas as ofensas” (Cl 2:13).
[9]  Novamente, o Pai, o Filho e o Espírito Santo estavam todos envolvidos na ressurreição. Veja também: João 10:18; Romanos 10:11. ↑
