Origem: Revista O Cristão – A Ressurreição
Morto e Ressuscitado com Cristo
A vida do Cristão é manifestada por meio de duas coisas – a morte para aquilo que está aqui e a mente colocada no que é celestial. “Se, pois, estais mortos com Cristo”, escreve o apóstolo, “quanto aos rudimentos do mundo, por que vos carregam ainda de ordenanças”? A expressão “rudimentos do mundo” é muito vasta. Eu devo estar morto não apenas para o pecado, mas para toda a religiosidade da natureza humana. O Judeu tem essa religiosidade, e ela foi cultivada por Deus, mas não produziu bons frutos; não produziu nada além de “uvas bravas”.
Liberdade e poder
Ora, se não entendermos que ressuscitamos, estaremos cultivando a natureza humana para Deus. Ele mesmo já tentou isso e diz que nada poderia ter sido feito além do que Ele já fez (Isaías 5). Mas o homem ainda estaria se esforçando para cultivar a religiosidade da natureza humana e introduzir pecadores no céu de outra maneira que não pela morte. Estamos mortos e ressuscitados, e isso é simplesmente celestial.
Nisto está o verdadeiro poder de vivermos acima do pecado. Isso pressupõe morte; segue o princípio de que estamos “mortos para o pecado” (Romanos 6). Obtemos uma abençoada liberdade em nos vermos e nos considerarmos mortos. Nós temos uma nova vida. Cristo tomou o Seu lugar onde a morte e a ressurreição O colocaram. E lá estou eu, onde Cristo está. É completamente outra vida. E esta vida tem seu próprio mundo e sua própria esfera de afeições. “Os que são segundo a carne inclinam-se para as coisas da carne; mas os que são segundo o Espírito, para as coisas do Espírito” (Rm 8:5).
Novos motivos
A vida de ressurreição se manifesta ao caminharmos por este mundo de forma abstraída, retirada, indiferente aos motivos do mundo. Um Cristão tem novos motivos. Todos os motivos do mundo jamais tocam a nova natureza. Você acha que ela poderia estar pensando em ter amizade com o mundo? Poderia ela estar buscando riquezas, honra ou poder? Os motivos que acionam os homens não têm influência sobre ela. A perplexidade surge por termos um motivo que não é extraído do céu. Sempre que vejo a mim mesmo ou outra pessoa em perplexidade, posso ter certeza de que algum outro motivo está em ação.
Sempre há uma tendência a abandonarmos o foco dos nossos olhos. Quando no início recebemos o conhecimento da vida em Cristo, fomos absorvidos; prontamente admitimos que tudo o mais é “esterco” e “escória” (Filipenses 3). Mas quando o abandono (declínio) chega, os velhos motivos entram em ação novamente. Pouco a pouco, deixamos de ser absorvidos e, em seguida, uma centena de coisas começa a ser motivo – coisas nas quais não prestava atenção e que não agiam antes. As pessoas dizem: “Que mal há nelas?” Quando começo a perguntar: “Que mal há nisso ou naquilo?” existe ali a tendência de declinar. Pode não haver mal na coisa em si, mas o simples pensamento a respeito dela mostra que não estou absorvido pelo que é celestial. “Abandonaste o teu primeiro amor”. Não é em grandes pecados, mas é aqui que se manifesta o declínio nos santos.
O sentido da graça
Quando a percepção da graça diminui, nós declinamos quanto à prática. Nossos motivos devem estar em Deus. Às vezes, é feito um esforço para pressionar a conduta, as obras e a prática, porque (diz-se) a plena graça já foi pregada antes; agora que há declínio na prática, você deve pregar a prática.
Porém, o que mais deve ser pressionado é a graça – a primeira graça. É a graça, não o legalismo, que restaurará a alma. Onde a percepção de graça está diminuída, a consciência pode estar ao mesmo tempo extraordinariamente ativa; então ela condena a pressão da graça, e o resultado é o legalismo. Quando a consciência é colocada em ação por meio das reivindicações da graça, isso não é legalismo, e haverá prática santa em detalhes.
Podemos cair em uma de duas falhas; a de pregar frutos (porque os frutos não foram produzidos), ou a de ficar à vontade quando certas coisas passam a ter influência sobre nós novamente, pensando que o que aprovávamos no passado era legalismo.
Não seremos restaurados insistindo nos detalhes. Cristo é o grande motivo de tudo, e devemos nos aprofundar no conhecimento da ressurreição em Cristo para remediar os detalhes. Aqui há uma maravilhosa verdade e uma maravilhosa liberdade.
Tom e espírito
Outro ponto muito importante é o tom e o espírito de nossa caminhada. Confiança em Deus e mansidão de espírito são as coisas que convêm ao santo. Para isso, devemos nos sentir à vontade com Deus. O efeito de andar assim em Cristo, colocando o Senhor sempre diante de nós, é sempre nos fazer andar com reverência, humildade, adoração, quietude, tranquilidade e felicidade. Se eu for para onde não estou acostumado a estar – se eu entrar, por exemplo, em uma grande casa – pode haver muita bondade me sendo mostrada lá, mas quando saio novamente, me sinto à vontade. Estou feliz por estar fora. Se eu tivesse sido criado naquela casa, sentiria o contrário. A alma não apenas é feliz em Deus por si mesma, mas trará consigo o tom daquela casa; por causa de seu gozo em Deus, as ansiedades desaparecem e ela passa por dez mil coisas que poderiam perturbar e causar ansiedades a outras pessoas, sem se sentir perturbada o mínimo que seja. Não importa o que seja, trazemos tranquilidade de espírito a todas as circunstâncias, enquanto permanecemos em Deus.
Habitando lá
Se um homem ressuscitar com Cristo, se ele estiver habitando lá, isso se mostrará assim. Não teremos medo das mudanças ao nosso redor. Não viveremos em apatia e indiferença, mas no exercício das vivas afeições e energias para com o Senhor. Uma grande evidência de eu estar habitando em Cristo é a quietude. Eu tenho minha porção em outro lugar, e sigo em frente. Outro sinal é a confiança em obedecer.
Isso se conecta à comunhão com o Pai e com Seu Filho Jesus Cristo – comunhão não apenas no regozijo, mas nos pensamentos do Pai e do Filho. O Espírito Santo é o nosso poder de entrar, com as afeições, nas coisas de Deus. “O Pai ama o Filho” – que lugar em que isso me coloca, para assim conhecer os sentimentos do Pai para com Seu Filho amado.
Em nosso devido lugar, temos nossa mente cheia e associada a coisas que deixam este mundo como uma coisa pequena – um átomo – na vastidão da glória que existia antes do mundo.